UM BEIJO TEU

Havia um tempo em que teus olhos

Efetivamente não me olhavam...

Simplesmente refletiam estupefatos,

Tua singela admiração... Não me enxergavas, não!

Tu me idealizavas. Experimentavas-me com exaltação.

Achavas-me desafiador, imprevisível,

Impenetrável, errático...

Talvez eu fosse para ti um tipo de balão mágico,

Plainando no espaço da plena imensidão...

A miraculosa nave aterrissou...

Tuas impressões, ao poucos, se assentaram

Conheceste-me o lado fraco, desassistido,

Desnudou-me como realmente sou...

Meus defeitos boquejaram alto, gritaram-te.

Como seria o efeito normal, de fato.

Desde aí tu me fitas

Como uma “coisa” específica; não-viva:

Um abajur piscante, um armário lotado,

Uma casca de limão azedo, um vidro de azeite...

Fugiu-te completamente

O resplender das pupilas, cessou em ti o deleite...

Creio que te lamentas, por dentro,

Ao reconheceres que preferias

Que eu continuasse aos teus olhos

Aquele inalcançável par perfeito

Agora, deploras meu jeito...

Não por estar eu aquém de teus desejos

Mas por teu devaneio ser mais disparatado

Que meus factuais feitos

Desvaneceu-se o conceito de imaginares-me...

Tu precisas do mistério, bem sabes...

Para isso, buscas um novo,

Provocador e desconhecido brinquedo

Internas-te no delírio de que existe fora de ti

A perambular pelo mundo um ser homérico

Merecedor de teu amar, digno do teu respeito...

Que seja profícua tua busca... Bom proveito.

Eu, ao contrário, para ser feliz,

Só preciso de um mísero beijo teu...

Pois dessas pequenas fraquezas sou feito

De um quase nada. Eis o meu fervor ateu...