ELA - O Teatro nosso de cada dia

O teatro nosso de cada dia

Ela é mulher!

Eu, uma pessoa comum.

Ela é mãe!

Eu, apenas dei a luz entre dor e sangue.

Ela é esposa.

Eu, uma dona de casa.

Ela é amante. Amiga e inimiga.

Eu, uma boba que casou virgem aos dezoito anos.

Ela se divertiu com tantos homens que até perdeu a conta.

Enquanto isso, eu sofria procurando um amor verdadeiro.

Assim fui representando.

Assim fui vivendo.

Assim fui alimentando minha personagem, com a sensação de que consigo enganar aqueles que me assistem.

As amarguras da vida me ajudaram a compor essa figura notável.

Essa que o mundo avista.

Essa que foi a mulher que eu sempre quis ser.

Ela está cada vez mais bela. Cada vez mais intensa.

E eu, cada vez que a vejo, fico um pouco mais fraca.

Só eu sei o quanto me enfraqueceu caracterizá-la assim.

De mim, não sobrou nada.

A verdade, a atriz inconstante que a cada instante incorpora a personagem interina criada apenas para agradar, essa não se mostra nunca.

Só eu sei o quanto me deu trabalho fazê-la brilhar no palco da vida; figurino, maquiagem. Inúmeras passagens de textos para decorar o script.

Acabei me escondendo atrás da coxia. Sempre no camarim. Frente ao espelho contemplando a mulher forte que ela se tornou.

Seu fulgor sempre subtraiu parte da minha brancura opaca. Das olheiras e das rugas adquiridas ao longo das noites árduas de interpretações memoráveis.

Na escuridão da minha alma, criei um mundo, um tempo claro e obscuro onde me perco, me encontro e me escondo.

Agora quero fechar as cortinas. Não aguento mais. É muito tempo em cartaz.

Durante muito tempo adiei o término dessa trágica comédia.

Entretanto, tenho certeza de que ela será sempre lembrada.

Eu, no entanto, não passo de um fantasma.

Ninguém acreditaria se um dia eu revelasse toda minha verdade.

Por isso, não posso e nem quero desmascará-la, com isso destruiria a mim mesma.

Sei, também, que não tenho forças para matá-la.

Porém, tenho certeza de que sou covarde o bastante para tirar minha própria vida.

E essa será minha vingança, pois sei que ela morrerá no mesmo instante em que eu fechar meus olhos para sempre.

Sai de cena o teatro nosso de cada dia.

Senhor perdoai este ultimo ato, assim como eu a perdôo por tantas vezes ter-me ofendido.

Agora e na hora de nossa morte.

Amém.

Marcelo Nocelli
Enviado por Marcelo Nocelli em 08/03/2013
Código do texto: T4178356
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