Urbanações

As ruas estão ensopadas, é perigoso escorregar e guarda chuva nem adianta no meio de toda a multidão, aonde alguns pequenos grupos de mãos dadas caminham em meio a centenas de errantes com solas de lona e borracha mantendo seus pés secos.

Algumas árvores estão com a raiz encharcada, afinal os pequenas canteiros sem escoamento foram criados por estética e não para as necessidades da planta.

Eu nunca entendi muito bem esta estética, mas tento esconder minha tosse entre os grupos de conhecidos e desconhecidos para não perder nem um segundo de todas estas maravilhosas iniciativas que crescem a cada dia por aqui.

Nos dias mais secos já frequentei festas em parques, a união sob o sol era difícil de descrever, acho que precisava mesmo estar ali. Mas consigo ouvir por baixo do barulho da chuva que se intensifica o ressoar dos didgeridoos e as tigelas de cristal.

Com o vento gelando as bochechas já caminhei por avenidas e descidas para trocar objetos em feiras e também compartilhar e celebrar o veganismo, os direitos animais que são para qualquer dia.

Muita gente por ai que estava ontem na pracinha, mutirão, horta, terapias e oficinas, uma pena que novamente fosse tudo em um só dia.

Agora sem trovões cá estamos em um tipo que caos que busca ordem, ou quem sabe em um tipo de ordem que cria caos. De toda forma alguns continuam plantando, martelando, desenhando, cantando e não é a água forte que vai afastá-los de continuar trabalhando.

Cai garoa e alguns cantarolam coisas dispersas. Alguns dos transformadores de todos os dias que até se uniram ao coro já estão de volta a seus afazeres diários ou semanais de transformação social pouco a pouco. Outros trabalhadores da terra, já levaram um pouco de seu conhecimento para o asfalto e agora tomam conta de alguns de seus frutos.

Quem preferiu ficar para assistir só pode colher o que ajudou a plantar, então muito aguardam a próxima estação.

No trem as estações estão paradas para descanso, muita gente, muita farra, muito longe, muito trânsito. Ilusão do que na verdade não há e o que não existe é estrutura. Com tudo junto e misturado se pode desenhar qualquer figura e borrão ficou, na falta de prática daqueles que tomaram os pincéis para si.

A chuva já passou e pelas ruas e calçadas estão as marcas dos calçados de tantos e tantos passantes, um pouco de lixo e mensagens de protesto também ficou, mas de resto parece mais ou menos como antes.

Agora esparsos alguns cantos sem tambor, cartazes no ar e paredes cada vez mais altas de rebelião e contra rebelião.

As cartas chegaram, tapetes descobrem o chão, enquanto pintavamos o asfalto os rios mudaram de curso, as florestas laçadas estão e muitos animais expulsos de seu ambiente. As lojas continuam abertas, sorriem de canto ao trabalho daqueles que não largam a enxada ou as câmeras nem quando a energia se faz pouca.

Na surpresa dos cidadãos marchantes, que de distantes realidades não se atentaram aos acontecimentos determinantes, aqueles que já viviam o fomentar da mudança são os únicos capazes de articular algum tipo de recuperação.

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