O CÂNCER NOSSO DE CADA DIA
Nos dai hoje, o destino. Aquele câncer que traz medo de ficar sozinho com a noite: só com o breu. O câncer próprio, único de cada um.
O corpo luta pra sanar-se do que é nocivo, narciso. Se debate, baba, cospe, sangra, tosse, provoca, evacua, chora, sua, dorme, se defende, enfim, como pode. Porém, o mesmo corpo, veja essa, não deixa ir embora! Fantasia, imagina, deseja, hipotetiza, inconscientiza, teoriza, alimenta, cria e nutre a praga como se um filho fosse. Se devasta.
Apesar de serem muitos os nossos vícios, existe o mais forte. Aquele que o corpo luta contra e a favor. Repele e tolera. Aquele nosso mal que, se formos perguntados se gostamos ou não de tê-lo, sempre mentiremos, qualquer seja a resposta. No fundo, ele nos integra de uma maneira que a razão jamais encontrará verbo para argumentar o porquê. Ele nos vigora e plenifica de maneira absurda, canalha, sem vergonha, suja. Nos faz tortos, “gauches” na vida. Genís e Macunaímas.
E por isso não sai. E se sai, esse câncer? Se nos deixa? Fica a limpeza, a calma? Errado. Se nos vai o câncer nosso de cada dia, aquela mazela com a qual somos impedidos de sermos melhores, que nos traz medo de ficarmos sozinhos com a noite, fica a saudade.