A mulher das palavras
Amélia era uma mulher de meia-idade. Glutona, espalhafatosa, por vezes, grosseirona. Mãe solteira, já curtiu todos os sambas, bebeu todas as bebidas e dormiu em todas as camas em que conseguiu.
Aos quase quarenta, depois de notar que seria difícil conseguir alguém com quem se ajeitar, decidiu se tornar devotada religiosa. Frequentava missas, falava muito em igreja, cantos, orações... Falava muito. Se dizia mudada. Falava muito.
Falava mal de todas as pessoas com quem cruzava o caminho. Ao se sentir ameaçada, criava intrigas no trabalho. Ostentava estranha e desesperadamente uma riqueza que não tinha. Falava muito. Se dizia mudada. Falava muito. Falava de homens como se estivesse em um inferninho, bebendo cachaça e rindo com as colegas de trabalho duro. Falava muito. Falava muito. Falava muito. Morreu como se tivesse vivido. Ficou o vazio das palavras vãs. De quem falava muito, e, apenas, falava. Falava muito, fazia pouco. Falava muito, fazia o oposto.