Borrões

Achei que conforme o tempo passasse, seria mais e mais fácil lidar com isso, mas não é. Cada novo dia é mais difícil que o anterior. E é assim que começa, ou termina.

Andando estes dias, eu lembrei de você e de tudo que aconteceu entre nós... Foi tão estranho. Foi diferente de todas as demais vezes em que me peguei pensando nisso, e fiquei pela primeira vez assustado! Sim! Foi como acordar de uma ressaca terrível.

Sua voz. Sua pele. As palavras que jogamos ao vento. Seu perfume. Seu rosto. Seus olhos... Os seus detalhes, todos estes, eram como navalha na carne, detalhes que assombravam-me com a ausência, ou talvez a privação. Eram tão presentes que jamais imaginei que pudesse me esquecer deles.

Eu quase não consigo me lembrar mais da sua forma, de como você era. Hoje existe apenas esse borrão, que é você.

Sei que você mudou muito, da aparência aos hábitos... Dos gostos ao pensamento. Depois de nos afastarmos, eu te acompanhei a distância por algum tempo e já não te reconhecia mais, você não parecia mais a pessoa com quem eu caminhei de mãos dadas por anos... Bem, você simplesmente mudou. Encarei aquilo como sua própria morte, pois eu não era mais capaz de reconhecer você em... Você mesma!

Foi difícil encarar isso, aceitar isso, que a mulher que eu tanto amei havia mudado de tal forma que havia praticamente morrido. Deus como isso me entristecia... Você não existia mais, não importa o quanto eu procurasse. Demorou para me acostumar a dor que isso causava, ms quando aconteceu, fiquei amortecido com o anestésico.

E hoje eu apenas vejo um borrão. A pessoa que eu mais amei foi reduzida a isso, a esse pedaço de lembrança, a essa recordação rasgada, aquela memória nebulosa e antiga. Agora você pode entender o meu medo de não conseguir me lembrar mais de você, do seu jeito, do seu rosto, da sua voz... E chegar a me questionar: Com quem afinal eu compartilhei todos aqueles anos?

Mas, pensando bem, já estou me conformando com a ideia e ela não é de todo um mal. Não quero que estes meus lapsos de memória como ingratidão. Não é isso. Pois ainda me lembro... Sou capaz de me lembrar do que é importante lembrar, do que foi válido e ainda é:

Certa vez eu estava muito deprimido. Era comum na nossa adolescência se sentir mal. Então você veio até mim e não disse nada. Você apenas sentou ao meu lado, passou o braço por entre meus ombros, me beijou os lábios com muito carinho e segurou minhas mãos, enquanto encarava-me.

Isso pra mim, significava afeto, pura e simplesmente.

Ainda significa.

Vinícius Risério Custódio
Enviado por Vinícius Risério Custódio em 26/09/2013
Reeditado em 30/04/2016
Código do texto: T4498504
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