Day Hospital

Estou no espaço de convivência de um grande hospital em São Paulo, diante da cafeteria. Aqui as histórias se misturam de uma forma quase cômica. Observo o antebraço do meu filho, engessado e um rapaz há poucos passos dele, parece ter o efeito espelho, nele, é o antebraço direito que está engessado exatamente da mesma forma. Penso que essas imobilizações aqui, devem seguir-se de tal forma que mais parece uma linha de produção .

Estamos em um hospital, cujo o nome, mais parece uma ironia: “Salvalus” que significa mais ou menos “ Aquele que salva...” e no meu latim nem um pouco ortodoxo penso que deveria chamar-se de “salvum te fac si potes” ou simplesmente Salve-se quem puder... Mas meu latim, deve estar errado. E mais, à essa altura, também meu português deve estar cheios de erros e eu nem sei se depois conseguirei reler isso que escrevo. Aliás, todo o resto me parece errado enquanto ouço um casal de meia idade trocando nomes complexos de medicamentos e que interferem na minha leitura .

A interferência, entretanto, não é de toda má! O forte impacto da cena narrada pelo autor momentos atrás, exigia de mim um momento de reflexão, jamais imaginei flores que surgissem calmas em meio à corpos em decomposição, corpos femininos, estuprados, mutilados, abandonados e putrefatos.

Tenho esse impacto no mesmo instante em que a porta do elevador se abre e dois homens jovens chorosos e entristecidos surgem amparando aquela que por dedução é a mãe de ambos. Tudo acontece ao mesmo tempo aqui. O cheiro do café é agradável, me distraio observando alguns bons e maus costumes que ocorrem nas mesas à minha frente, da mesma forma observo o marcador de senhas e o relógio. O tempo parece lento, um novo entretenimento se faz urgente e penso em contar os quadrados da estrutura recém construída e percebo enfim que a chuva cedeu e finalmente o sol alcança meu bloco de notas, como se fosse uma pequena esperança me dizendo pra ter calma.

Calma!

O aspecto faminto do meu filho em jejum e sua ansiedade me fazem voltar a sensação inicial, nada muda, nada é conveniente ou agradável neste ambiente projetado com essa finalidade, se remoem mais dores, mais desconfortos do que em qualquer outro lugar do hospital, até mesmo os corredores mais solitários e mais sombrios, não me causam tantas sensações desconfortantes, como aqui neste Day Hospital, moderno e claro, tudo fica evidenciado, tudo é absolutamente necessário.

A enfermeira de sombra azul, está se organizando para mais um boletim médico dos pacientes internados, rumores inquietos e entristecidos, se deslocam em sua direção, todos ficam apreensivos e eu, me estico no sofá de couro gasto, enquanto a mulher gorda de roupa chamativa continua a olhar-me enquanto come seu lanche com sua coca cola. Não sei se vou conseguir descrevê-la depois, ou se conseguirei reler tudo isso, mas que fique registrado, quando ela olha pra mim mastigando, mastigando, mastigando sem parar... tenho vontade de dizer: Hei Dona! Eu não estou no cardápio! Por favor né!?

Preciso parar de escrever ou isso virará uma sinopse do inferno... mas não é, é apenas um Day Hospital e eu nem sei como consegui pensar tudo isso, eu só quero que esse dia termine, só quero deixar de ser o alvo dessa Dona robusta e exagerada...os pés dela parecem duas grandes bolas enfiadas num par de sapatilhas carcomidas pelo chão e tão coloridas quanto sua camisa, não sei como se chama a roupa que ela está usando, parece uma saída de praia, sobre um legging rosa. ROSA!!! Tenho duas opções agora ou vou ao oratório ou ao banheiro... Banheiro ai vamos nós!

Cristhina Rangel.

Cristhina Rangel
Enviado por Cristhina Rangel em 29/09/2013
Código do texto: T4504039
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