[Luz Primeira]

O sol arde em nossas cabeças enquanto subimos uma rua comprida... O calçamento de pedras bem ajustadas tem as sarjetas lavadas pelas chuvas. Ali, as pequenas moitas de capim ainda estão dobradas pela força das recentes enxurradas. Agora, passamos pela solitária igreja do Rosário que domina o largo à sua frente. A agitação da rua até parece festiva, mas as flores que as pessoas levam não me parecem portadoras de alegrias.

E continuamos subindo... subindo esta rua que parece não ter mais fim! Minhas pernas já doem e eu ainda não sei para onde vamos. Por que toda aquela gente? E onde é que todos estão indo? Solto-me da mão de minha mãe, corro para o meio-fio e olho o povaréu! Os cavalos das charretes que passam rua acima têm tapa-olhos para só enxergar à frente; estou parecido com eles... tenho de ir em frente, mas sem saber para onde. Olho a rua comprida, quero voltar para casa, mas a mão preocupada de mamãe puxa-me para perto de si!

Enfim, chegamos aos altos da cidade; sinto a insegurança de estar bem longe de casa. Alcançamos uma avenida de amplas vias ensombrecidas por árvores muito altas. Olho para o alto, para as grimpas das árvores, e aperto os olhos para evitar os raios de sol que vazaram por entre as folhas!

Chegamos a um largo, em frente a uns muros altos; ali, algumas pessoas se aglomeram e conversam... Parece que se preparam para atravessar aqueles enormes portões do outro lado da rua... Esses portões: para que mundos se abrirão? O que será que existe além daqueles muros? A curiosidade me fez esquecer a dor nas pernas. A minha mãe cumprimenta os conhecidos, conversa sobre coisas que me parecem enfadonhas; pergunta por outros conhecidos que não estão ali. As pessoas sorriem, passam a mão na minha cabeça e isto me incomoda, pois eu já aprendi que não gosto que me peguem nos cabelos.

Eu olho para cima e vejo olhos que mirando-me lá do alto, não buscam os meus, apenas olham para um animalzinho!

Passamos os portões, sinto tristeza no ar, vejo pequenas construções alinhadas, como em uma cidade de brinquedo; vejo flores, de todos os tipos e cores, montes delas! Caminhamos por uma ala principal de onde partem transversais que levam a cada uma daquelas pequenas construções.

Ela encontra mais conhecidos, mas agora, os rostos têm uma expressão mais grave, diferente das caras quase alegres que eu vi lá na rua. Outra vez, irritam-me as mãos em meus cabelos! Agora, quando vejo alguém vindo falar com ela, afasto-me para que não me pegue nos cabelos outra vez! Vejo gente chorando... olho sem entender.

Algumas pessoas ajoelhadas, cabeças baixas, apenas murmuram rezas que não compreendo. Até agora ainda não sei por que estou ali, e o choro daquelas pessoas, sob um céu tão lindo, me deixa incomodado!

Minha mãe para de caminhar; será que ela chegou onde queria? Aumenta mais ainda a minha apreensão, finalmente, vou saber por que estou neste lugar. Agora, a mão dela aperta a minha; olho para cima e vejo os seus olhos cheios de lágrimas, por que será que ela chora?

Mas ela fica em silêncio e aponta para o chão. Vejo um cimentado verde como se fora um colchão... Estranho... Ponho a mão... está quente do sol. Detenho os olhos nas pequenas trincaduras daquela superfície; não me parece que tenha sido construída recentemente.

E mamãe diz: — papai está aí...

Quem será “papai”? — Onde, mamãe, onde é que ele tá?

Quero saber quem é ele e onde está, chamo e nada; ninguém aparece.... Só o cimento quente, imóvel, rígido, silencioso.

Choro pelo choro dela; e choro, baixinho, quieto, bem quieto. No alto, o sol ardente, solitário no azul profundo do céu; aperto novamente os olhos para aquela luz que me cega. Aos meus olhos quentes do choro, a revelação, a minha primeira luz de lembrança neste mundo, na forma de uma perda irreparável!

Só agora eu sei: era dia de Finados!

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Do meu livrinho "Araguaris(Narrativas Poéticas", ilustrado por Paula Baggio e apresentado na exposição "Diálogos, Caminhos de uma Interarte" - Museu Nacional de Belas Artes - Rio, 2001.

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 02/11/2013
Código do texto: T4552567
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