Um delírio

Ele era determinado, jovem, mas só. Há muito tinha perdido sua pequena amada, Carla, que tinha olhos verdes como a copa de uma guajuvira e o cabelo mais negro que a noite. Ela nunca me amou, nem mesmo passou perto disso. E toda vez que lembrava, algo doía. E ele lembrava o tempo todo. Como pôde me enganar tanto tempo? A esperança não existia mais ou, talvez, nunca existiu. E ao fechar os olhos, podia enxergá-la, até ouvi-la. Os dois conversavam, ele com a boca muda e Carla sem nem saber o que fazia ali. Ei, João, não faz assim... Sabe que eu te amei. Não, não amou, nunca amou, nem nunca soube o que é amar. Não diga uma bobagem dessas, não a mim que sempre quis teu bem. Mentindo pra mim? Quem me dera ter o mal verdadeiro ao invés dessas falsas felicidades que me dera, Carla. E eles continuavam nesse ritual, colocavam a limpo todas as feridas, todas as tristezas e por que não, até mesmo as alegrias. Quanto te dei rosas e sorriu, algum outro fizera isso por ti? Não, nenhum. Então por que mentiu? Por que fez isso comigo? João, me entenda... Eu jurava que era amor, tudo isso parecia amor. Sim, eu sei que jurava, mas que jurasse para ti e não para mim; que iludisse a ti, que mentisses para ti... A saudades que ambos sentiam, pelo menos ali, parecia descomunal. Eles queriam. Queriam amar, queriam um ao outro, queriam recuperar os sonhos que tiveram... Mas tudo isso não passava de um sonho, de um delírio e João já estava prestes a acordar.