A mercê de data e hora

Querer-te é quase mutilar a alma. As palavras não ousam e os sonhos não cabem numa simples promessa. A vida corre pelas mãos, líquida. E dos olhos, que vibram frequentes ao ver-te, há a mais pura prova do sofrer: a lágrima, que salga a boca e rasga a face e traz, na sua unidade do choro, o demonstrar do sentimento que se cala. Engulo-o. Deixo que em mim se faça a digestão e que se quebre para que eu absorva todo e qualquer pedaço. E só então, não me falte nada para amar-te. Antes disso, perdoe-me pelos medos, pela ausência, por um coração que anteriormente foi abusado, como sei que tens também. Saiba que quero-te, não só por quem tu és, mas por todas as felicidades que já me oferecera, por toda felicidade que estou disposto a te entregar. De todos os amores que deveras tive, este é o mais estranho porque foge completamente do padrão; que seja efêmero, mas verdadeiro e nosso. Reciprocidade? Não há - ou talvez haja -, mas como saber? Prefiro acreditar nos sonhos, pois tenho a liberdade de acordar quando desejar. Mas não, não me esqueça, não tão cedo. Combinemos: quando cansarmos, marcamos hora e data para deixar de amar, assinamos o contrato de solidão e voltamos ao mundo normal, como se nada tivesse existido. Ao cruzarmo-nos na rua, cumprimentamo-nos, sorrindo verdadeiramente um ao outro e despedimo-nos; sem maiores expeculações, sem dores nem sentimento de falta.