Falá nada não...

A vida não me bota medo mais não.

Eu cohneço as quimeras só de vista.

Aos seis anos eu já trabalhava

Para ajudar a criar as crianças de dois;

Ouvia os rumores de uma coisa que vinha,

Assustava-me com os aviões da fabe.

Alguns ainda lembravam da dor dos alemães.

Mas eu nunca falava nada não...

Me via rodeado por soldados, no pátio

De casa, fazendo as suas manobras

Militares para conter possível rebelião;

Eu só suntava de fininho do meu canto...

Ouvia meu pai ditador e suas singelas

Ideias subversivas, libertinas, e já achava

Uma contradição. Não falava nada não...

Debaixo da cama, ficava de campana,

Esperava pacientemente a hora

Em que as amiguinhas de minha irmã,

A mais velha, eu sabia que elas

Viriam; eu tentava ver o que elas tinham

Por detrás das calcinhas. E via;

Mas nunca a da minha irmã. Era cristão.

Falava nada não... Precisava de perdão...

Dava até torcicolo pela posição que ficava.

Nesse tempo, lá em casa, era bom

Ainda não tinha fome não, só depois,

Bem depois de começar a revolução.

Era amigo do mato, dos bichos,

Tinha um pouco de medo era de gente;

Quando veio a fome, ela tinha nome

E também tinha sobrenome: "Ditadura

do Governo de Costa e Silva faustino do Souza".

Sabê lá o que era isso! Falava nada não.

Agora, quando vejo esses meninos,

Gordinhos que até dá dó,

Reclamando do sistema, fazendo forrobodó;

Era pra eu falá nada não...

Mas não sei porque é que não me calo...

Acho que venho no embalo do embalo e falo.

Cacá

carlinhos matogrosso
Enviado por carlinhos matogrosso em 16/12/2013
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