ENCANTAMENTO

Maré enchendo, pororoca, inundação...

Vinham corpos arrastados naquela corrente

e outros ficavam à margem.

Vinham casas,

barcos,

pedras,

cruzes,

melancias,

mortalhas

e vasilhas de barro cheias d’água.

Ao longe

ouvia-se um ruído

que, a cada momento, crescia

até que tudo ficava indescritível.

Bois,

cavalos,

carros,

anjos,

homens,

mulheres,

crianças...

O desespero dos que perdidos

buscavam os seus na multidão;

vozerio dos que rezavam...

gritaria e choro...

Vez por outra

a história narrada em altos brados.

Vinham mãos,

braços,

olhos,

corações,

pernas e pés,

cabeças e troncos,

(diversas partes de corpos humanos)

à flor da corrente

que, quando possível,

eram recolhidas e guardadas...

O sol,

o calor,

o povo,

os fogos,

os aplausos,

as promessas,

as lágrimas...

Protegida por uma singular

corrente de corpos humanos

atrelada a uma grossa corda de sisal,

cheia de flores naturais

e arrastada lentamente,

ia a berlinda, linda,

levando a imagem secular

de Nossa Senhora de Nazaré...

Assim, (comprimido no meio do povo),

atônito, encantado

e profundamente emocionado,

vi o meu primeiro Círio em Belém do Pará...

(Belém, outubro de 1968)

O Círio de Nossa Senhora de Nazaré, que é considerada a maior procissão do Brasil e uma das maiores do mundo, ocorre na manhã do segundo domingo de outubro. Segundo os especialistas, o último Círio contou com a participação de mais de dois milhões de pessoas. O primeiro Círio que vi em Belém foi em 1965 e desde então todos.