QUANDO RETOMARES A TEUS RASTROS
Poema em prosa – Nativismo gaúcho


Quando retomares a teus rastros deixados lá no pó do tempo, ao relento o teu velho rincão; voltares para tua doce querência que deixaste tão chorosa...
Ponhas para fora os sentimentos arrebanhados qual terneiros apartados já maduros para marcar. 

Não relegues a tua presença, culpando as distâncias, à tua mais bela flor do campo e das estâncias - a prenda que te espera - fixando  na estrada seus verdes olhos marejados.

Estrada que retorna esvaziada, sem de volta nada trazer. Só vultos que tremeluzem na distância, e ao defrontar o povoado, frustrando sua espera, é algum gaudério ou teatino em outro flete cavalgando, andando como gato em tapera.
           
            
Voltes a ver tua guria, tua flor do campo amorosa, não te ¹abichornes; abras ancho teu macanudo coração!
Quando voltares ao teu Rio Grande, e lá estiveres, vás até os campos do alto das serras - medianeiros de São Chico de Paula - e aos ²recuerdos tu ficares solito e, confirmada a solidão, não sejas altaneiro, esqueças que és um ³taita e que és capaz de te apaixonares.
     

Não te refreies, o que tu farás será de coração por inteiro.
Nos campos altos, soltes um grito de tremer o peito, com a força do fole dos dois pulmões cheios de ar, até alçar como fosse desafio de um bugio, desatando os nós dos desagravos - sofridos na cidade grande - para que muito ao teu jeito, não arremedes as lágrimas que derramastes longe da querência. Porquanto tu sabes que estás mui saudoso de aos braços da prenda  voltares. Juraste e fizeste *cruz no lombo da cidade grande: - Nunca mais voltarei pra donde fui...! - O taita vaticinou.  

Liberta o pealo da neve que revestiu tua alma e coração para que não te ponhas de 4relancina, e adelante vieres a choramingar diante da prenda. Não que tal cousa te abichornes ou te faça de **pandorga, (de palhaço), mas para que não se ***emponche a guria de emoção.

- Dizes tu: - Bueno, mui aligeirado vou rever minha prenda! Pois ollhe, que não sou de aço!

5A La Pucha! Golpeia-me a 6lapiana de gume e de prancha
mui fuerte, tal amor encalacrado!
Esse apego é garrote de tento forte de um laço,
atado aos braços da prenda, meu regalo de alma 6ancha!
                           


                         
 
 
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1. Abichornes ( Do v. Abichornar – regionalista. O falar sulista é em segunda pessoa (Tu, vós) – “O piá, já se tornado um frangote,/ abichornou-se quase à morte/ lamentando a mala suerte/ ao saber que a guria, filha do posteiro/ c’o filho do fazendeiro/ foi prometida a se casar...” (m.ms.s)
2. Recuerdos, solito – Recordações, sozinho – Falares de fronteira (Com Uruguai, Paraguai, Argentina)
3. Taita – O mesmo que baita; grande; famoso; lendário 4. Relancina – De repente; de pronto; de relance; de imediato.
5. A La Pucha! - Interjeição que remete à surpresa; admiração; espanto. 6. Lapiana - Bras. Pop. Faca de ponta estreita e comprida; LAMBEDEIRA: "E João Leme, imperturbável, com as mãos tintas de sangue, vai ali, a golpes de lapiana, castrando friamente o miserável que se estorce." (Paulo Setúbal, "Os irmãos Leme", in No pouso do Camapuã.) Facão grande – “O goiano quando soube, bateu em cima me procurando, trazendo uma baita lapiana e pela estrada vinha riscando, logo vieram avisar para ter cuidado com o tal goiano, que vinha que nem boi bravo que até a sua sombra vinha insultando...”
6. Ancho(a) – Regionalismo fronteiriço com a língua castelhana – amplo(a), desfraldada, grande
*. Cruz no lombo (de um cavalo) - nunca mais voltar a montar aquele animal; no caso, por analogia - nunca mais voltar à cidade grande.
**. Pandorga - No R.G. do Sul tem dois ou mais significados; o principal, mais conhecido e usado em alguns outros lugares, talvez levado do Sul é o brinquedo lúdico "papagaio de papel", no Rio de Janeiro, chamam-no de "quadrado", São Paulo, "maranhão", "papagaio" ou "pipa". No R.G.do Sul, também pode significar - adj. Pateta; tolo; toleirão; atoleimado; ingênuo; bobo; palhaço; moleirão, parado, lerdo.
***. Emponchar, emponche - Cobrir com o poncho [espécie de capa de lã, retangular, ovalada ou redonda, com abertura no centro, por onde passa a cabeça, geralmente azul com forro de baeta vermela. É o agazalho mais tradicional do gaúcho do campo, pampeiro. Como é versátil como agazalho e coberta, por analogia: Cobrir com poncho" = proteger; cobrir; forrar... No caso, "não se emponche a guria de emoção" = não cubra, não forre, não sufoque  a garota de emoção, tristeza... (desnecessáriamente).




 
Mauro Martins Santos
Enviado por Mauro Martins Santos em 07/06/2014
Reeditado em 08/06/2014
Código do texto: T4835496
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