Eu, mercadoria?

O tempo encurtou

Desde que a infância se foi.

Tenho que ser bonito

Tenho que ter um corpo bonito

Tenho que ter o celular mais quisto

Tenho que aceitar Jesus Cristo.

Tenho que passar em Direito

Meus pais não querem que eu faça outro curso

Tenho que ser “saudável”

Tenho que ser um exemplo

Tenho que ser perfeito

Devo alcançar o Ideal.

Desde que fui expulso do paraíso uterino

Tenho sentido frio

Nessa escuridão que venho sentindo

Perdidos estamos

A cada nova campanha publicitária

Em que aparece o ator de tv mais bonito

Prometendo seu sucesso

Prometendo um destino infalível.

Nos grupos de animais “civilizados”

Vejo todos conectados em aparelhos

Não há diálogo

Não há companhia de fato.

Estamos sozinhos

Mesmo quando estamos acompanhados.

E de consumo em consumo

Ficamos adoecidos

Na UTI da alma não há cura

Mas há drogas do “bem”

Para darmos continuidade nessa loucura.

Você é o que você tem

Quem não tem não é

E nada é.

Há mais oferta do que demanda

E perdidos no rebanho

Seguimos sem pensar

Sem nada questionar

E solitários estamos

Diante de todos

Num individualismo puramente egoísta

Clamamos por justiça, por menos violência

E alimentamos a Indústria que nos tornam mercadorias

E a cada propaganda, dançamos

Conforme sua letal dança.

Somos agora, vidas zoé?

Dentro de um shopping

O que a felicidade é?

Nas capas de revistas,

Que perfeição é essa?

Manipulada por softwares

Capazes dos nos aprisionar

A ideais mortais?

Somos todos reféns?

De uma ilusão que circula no mercado?

Que consome se sente bem?

Quem tem tudo, é realmente feliz?

O ser vegeta

O produto vive

Cheio de marcas estampadas

Meu boné,

Minha camisa,

Minha bermuda,

Meu sapato,

Estão cheio de etiquetas.

Por quê?

Quando não tenho

Sinto-me sem valor

Quando tenho,

Sinto um vazio

A minha existência é um terror

E eu não quero adoecer sozinho.

Vou estimular todos os meus amigos

A consumirem mentiras absurdas

A se alimentar de ilusões tecnológicas

Tudo que é sofisticado

É plastificado por fora

É como eu me sinto por dentro:

Um plástico,

Vazio.

Sem conteúdo que me sustente

Sem algum pensamento

Que me liberte dessa alienação de mim mesmo.

A felicidade é ter dinheiro, fama, status?

O conforto é estar numa fila estressante de uma lanchonete americana que escravizam nossos vizinhos?

O outro não me importa.

Ele que siga o seu caminho sozinho.

Assim manda o Capital.

Assim eu sobrevivo sem sofrer por dentro.

Artificial sou,

Bem articulado estou,

Para me defender de qualquer causa que me tire da zona de destruição

Na qual eu adoeço calado,

Pois assim manda as convenções

E eu não quero ser diferente.

Ser diferente é um preço muito grande

E eu não suportarei tamanho desespero

Em minha alma tudo é feito de ferro

E minha alma se enferruja a cada indiferença no olhar

A cada anestesia ao ver alguém sofrendo.

Somos robôs agora?

Mercadorias sem valor?

O Ideal sobrevive de idéias que acreditamos

Cegamente vamos nos iludindo que uma falsa felicidade

Que só favorece a nossa sombria Economia

Que só nos tornam meras vidas

Corpos sem classe,

Sem nome,

Sem identidade,

Sem história,

Sem nada.

Mercadorias para sustento do enriquecimento do patrão

Vamos nos matando no trânsito

Causando o caos que foi estabelecido

Pois o patrono sai de casa de avião

E jamais perdoa um atraso.

Alimentamos ódio

De um aos outros

E num ringue estamos

Querendo ver o outro cair

Falecer em nossa frente

Derrubado por nossa ambição gananciosa

Desumana.

Somos todos inimigos então?

Eu não quero ficar atrás

Tenho que correr logo

Senão o futuro passará

E eu não estarei lá.

O presente não existe

O relógio me controla o tempo todo

Controla o Tempo

Controla nossas mentes obsessivas

E artificializa o amor

E comercializa a vida.

E numa propaganda de margarina

Sonhamos em ter um cachorro sujando toda a cozinha

E todos rindo, vão passar a faca no produto

Essa faca perfura a nossa existência

Tão já adoecida

Tão já torturada

Tão já esquecida e ignorada

Já falecida.

E da vida nada sei dizer

Só sei que não tive tempo de dizer a quem eu realmente amo

Que o amava

Não tive coragem de pedir perdão

Não pude ignorar a estética da perfeição

E na religião do corpo,

Terminei sozinho,

E com sobrepeso.

Do Tempo só tenho a dizer que ele me roubou tudo

Que não tive tempo para nada

Porque estava indo no bonde junto dos ideais propagados para nos alienar de nós mesmos

Porque estava acreditando na propaganda da margarina

E assim, terminei com minha esposa

Que adorava um cachorro molhado dentro de casa.

E na morte eu vejo que já estava morto o tempo todo

E que nada me sustentou a vida

Nada alimentou a fome da minha existência.

E de fome, sede e desespero eu vivi

O tempo todo

Sem perceber.

Pois estava cego pelo consumo

Pelo aparelho de ponta

Pela marca mais falada

Pela solidão coletiva

Porque não tive tempo para os meus filhos

Não tive tempo para ler os livros comprados

E jogados nas estantes

Não pude conversar com os amigos

Pois estava ao celular

E em minha carreira,

Obtive muito sucesso, contatos e dinheiro

Agora estou velho e solitário.

E essa tal felicidade que me prometeram nos comerciais,

Então, cadê ela?

Eu só queria voltar no tempo da vida

Que é curto,

E poder fazer tudo diferente.

Mas já está escuro,

E minha vez já passou.

E em minha morte existencial

Eu choro escondido

Por todos os fracassos cometidos

Por viver por dinheiro

E jamais não por amor.

Porque este

Nunca está na moda.