O fim de um mistério
Nunca me inspiraram curiosidade os amores platônicos da natureza humana. Aos amores não-correspondidos, porém, nunca pude deixar de observar curiosamente. Justamente por isso, hoje, por volta das duas da tarde, afigurou-se-me, nítida e cortante, a seguinte questão: A quem haveria o homem de amar senão a quem não o ama? Como seriam os homens capazes de amar aos que os amam, por exemplo, se estes estão tão preocupados em amar aos primeiros que esquecem de ser a si mesmos? Nossa espécie é capaz de amar à uma ilusão? Sim, o é; mas incapaz é de amar a um ser que se anule. Já àqueles que a si mesmos são genuinamente, em compensação, como somos capazes de amar...
Ora, em que melhor circunstância se mostrará um ser sendo o que em si realmente é senão em uma situação de completa indiferença aos sentimentos alheios? Tanto melhor que seja mais que indiferente ao amor que desperta, tanto melhor que chegue a ser avesso a ele, pois só assim se mostrará como é, podendo vir a se amado como tal. Eis que o mistério é chegado ao cabo, e tudo jaz claro como um veneno: Só ao que não ama cabe ser verdadeiramente amado, pois os amores não-correspondidos é que são os verdadeiros.