O fim de um mistério

Nunca me inspiraram curiosidade os amores platônicos da natureza humana. Aos amores não-correspondidos, porém, nunca pude deixar de observar curiosamente. Justamente por isso, hoje, por volta das duas da tarde, afigurou-se-me, nítida e cortante, a seguinte questão: A quem haveria o homem de amar senão a quem não o ama? Como seriam os homens capazes de amar aos que os amam, por exemplo, se estes estão tão preocupados em amar aos primeiros que esquecem de ser a si mesmos? Nossa espécie é capaz de amar à uma ilusão? Sim, o é; mas incapaz é de amar a um ser que se anule. Já àqueles que a si mesmos são genuinamente, em compensação, como somos capazes de amar...

Ora, em que melhor circunstância se mostrará um ser sendo o que em si realmente é senão em uma situação de completa indiferença aos sentimentos alheios? Tanto melhor que seja mais que indiferente ao amor que desperta, tanto melhor que chegue a ser avesso a ele, pois só assim se mostrará como é, podendo vir a se amado como tal. Eis que o mistério é chegado ao cabo, e tudo jaz claro como um veneno: Só ao que não ama cabe ser verdadeiramente amado, pois os amores não-correspondidos é que são os verdadeiros.

García
Enviado por García em 27/07/2014
Código do texto: T4898968
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.