Um lugar além da dor

Estou sentado neste banco de terminal há tanto tempo

Pessoas passam

Correm

E tropeçam.

Elas não sentem o frio das minhas pernas

Pois sou um mero corpo

Um objeto sem custo

Sem valor

Esperando o caminhão de entulho.

Eu estou me segurando por um fio

Pois todo esse tempo eu esperei por socorro

Por um anjo de resgate

Por uma mão quente que me consolasse

Por um corpo que se identificasse

Com o meu cansado rosto.

Todo esse tempo eu sangrei neste mundo sombrio

Esperando uma chance de preencher este vazio

Mas tudo que encontrei foram silêncio e frio.

Eu vaguei por este mundo em busca de respostas

Na busca por algum sentido

Uma razão para tudo isso

Eu enxerguei a real face do mundo

E desde então,

Tenho sofrido todas as dores dos índios mortos

Todas as dores das mulheres queimadas

Todas as dores dos poetas melancólicos

Todas as dores dos seres vivos.

A chuva cai

Por um momento eu sei que ainda existo (ou resisto?)

As pessoas correm,

Apressadas em não molhar seus cabelos

Seus paletós

Seus segredos.

Aonde foi parar toda a nossa infância?

Num comércio clandestino aos olhos de um povo cego?

Para onde foram os nossos sonhos?

Para o sepulcro do mundo dos adultos descrentes e desiludidos?

Quem nos ensinou que a chuva é perigosa?

Quem disse que as nuvens também não choram?

Todo esse tempo eu carreguei o meu coração sozinho

Sangrando e congelado em minhas mãos

Ninguém viu

Ninguém sentiu.

Eu estava chorando esse tempo todo

Mas ninguém viu as minhas gotas de sangue pelo chão.

Enquanto todos se escondem

Por detrás de suas máscaras asfixiantes

Eu me dispo de todo o mal que me fizeram

E abro minhas cicatrizes mesmo diante do inverno.

Por um momento sou chamado de louco

Por rasgar uma imagem falsa de mim mesmo

Por mostrar como venho sofrendo

Por denunciar:

“Ainda sou humano!”

E toda a mágoa e dor

Toda a injustiça vira revolta

E revolta os olhos dos conformados e dos moralistas

Eu estou inteiramente nu

Cheio de marcas que a vida me ofereceu

Quando tudo o que eu queria

Era um lugar sem esse breu.

Eu sei,

Chegou a minha hora de partir

Chegou a hora de dar fim nisso tudo

Chegou o momento de colocar um ponto final

Nessa história que eu nunca quis viver

Neste eterno pesadelo

Que venho alimentando com todos os meus traumas e medos.

Eu estou segurando o meu último suspiro

Mas antes eu abro as minhas asas e quebro as correntes

Que me mantinha em cárcere neste mundo

Que me prendiam enquanto eu tentava inutilmente viver

Quebro a moral falsa

A imagem do humano então queima

Queima junto diante das almas de todos os inocentes.

Então eu voo,

Para longe de toda a dor que me causa aqui

Que carreguei todos estes anos

Desde que eu nasci.

E para algum lugar além deste sofrimento

Eu vou.

Me encontrar ou me reencontrar numa estrada perdida

Solitário, sem rumo e sem dor.

E nunca desejarei voltar aqui

Neste mundo povoado por diretores de filmes reais de terror

Por pessoas que transformam sonhos em pesadelos diurnos.

E quem sabe, neste lugar

Eu encontre cuidado, carinho e amor?

E assim eu vou me esquecendo

De como foi viver

No meu próprio filme de drama e de terror

Sem chance de um corte ou uma ilusão

Sem chance de chegar ao fim

Enquanto eu não tomasse para mim

A tarefa que o mundo sempre me levou:

O de ser dono do meu próprio filme

Ser livre então para dizer:

Agora,

Tudo acabou.