Viver é coisa de maluco insistente
Não sei se já parti ou se ainda persisto
Visão sempre incerta
Sentimento mórbido de insegurança
Destino obscurado por medos de infância.
Eu ainda sou assombrado
Pelo o que já vi em tão curto tempo
De vida ou de morte incessante?
Tudo que sentimos são o que realmente somos
E eu sou puro medo
Puro medo e uma faísca de esperança.
De sombras e de cinzas eu me reinvento
Desde criança.
Aqui nunca encontrei vida
Mas desespero, muita angústia
E desesperança.
O tempo sempre me arrancou
Alegrias, calor e amor.
O frio sempre me estremeceu
Agora estou congelado por tudo que pouco vivi.
Ainda sinto a dor espantar
Em todo o meu peito já ferido
Algum resquício de valor.
Nascemos contabilizados
Para o corredor da morte
A sentença é logo dada
Através da cor, da classe social
Da orientação sexual
Da dor atroz
Que o sistema implantou.
Eu recorro a Deus
E clamo por um sopro de vida
Rezo para que me traga com o futuro tempo
Alguém que preencha o resto dos meus dias
Com companhia, calor e muito amor.
Pois já não suporto mais
Viver em tanto desamor.
Meu espírito
Moído de viver
Já se entregou.
Minha alma
Eu já nem lembro mais.
Minha mente
Ainda treme com cada tiro no morro
De policiais que matam a minha gente sorrindo.
De uma política excludente
Em que negros, pobres, mulheres
São dizimados todos os dias
Como fizeram com os índios.
Eterna genealogia da exclusão.
Eterna política da negligência
Da desumanidade, da indiferença
Da apatia e da rejeição.
Estou cansado de tudo isso.
Cansado de buscar abrigo no escuro
E encontrar mais frio.
No fim do túnel
Em vez de luz,
Tem tiroteio.
Por que eu, Deus?
Por que todos nós?
Por que tanto sofrimento?
Silêncio e escuro.
Desde criança
Carregando as tristezas do mundo
Olhos sempre sobrecarregados de melancolia
E de violência doméstica.
Eu vi o mundo cair sobre mim
Quando descobri minha diferença mortal
Num sistema pautado numa normalidade antinatural.
De repente, o céu escureceu
Não de nuvens cinzentas
Mas de nuvens carregadas de sangue
Das mulheres queimadas
Decapitadas, enforcadas
Por não corresponderem aos caprichos de uma vaidade cruel.
O homem é desigual por natureza,
Já dizia Thomas Hobbes.
Senti as dores das chibatadas de todos os escravos
Do seu trabalho explorado por homens de olhos azuis
Por gente que pregava a palavra de um deus que os desumanizavam.
Ainda sinto as chibatadas dos dias atuais
Em vez de senzala, o morro.
Em vez de chibata, o tiro do Estado.
Que nunca o quis.
Eu decidi viver por sonhos
Mas os espíritos destes que se foram
Choram comigo,
Todas as noites.
As sombras sociais me perseguem
Me tirando a paz
Me tirando o sono.
Há os que acreditam serem livres
E acham que se regozijam em liberdade
Enquanto a indústria da imagem os escraviza
Com implantes de silicone e barrigas definidas.
Na ausência de sentidos para viver
Buscamos objetivos pra passar o tempo
Alguma mera distração
Enquanto o Caos não nos devora totalmente por dentro.
Enquanto não leva de nós,
Toda a existência já fraudulenta.
Filho da Natureza,
Sei que sou.
E sofro com ela.
E minhas lágrimas jamais cessarão.
Por detrás da imagem que vivemos
Conflitos implodem em nosso psiquismo
Desmontando todo o nosso castelo de cartas
Do nosso falso otimismo.
Quem é esta morte que chega sem avisar?
Assim tão repentina e nefasta?
Sufocando-me os pensamentos
Entorpecendo-me os sentimentos
Me fazendo delirar em angústias
Que me imobilizam completamente?
Eu estou caindo em meu próprio inferno
Eu estou tentando e não consigo parar
Eu estou sem força para respirar ou gritar
Estou totalmente inerte.
Morte da Vida.
Morte de quem existe.
Morte de quem sonha.
Morte de quem nasce.
A vida nos esvazia com o decorrer do tempo
Mas antes de sermos expulsos do útero paradisíaco
Já nascemos tão frágeis, dependentes e carentes.
O que fazer diante dos conflitos existentes?
Do vazio nascemos
Para o vazio retornamos.
Do frio que sentimos ao sermos vistos pelo mundo na primeira vez
Voltamos.
E nada mudará o que somos no fundo
No nosso esconderijo:
Crianças assustadas com o mundo e com a vida
Desesperadas em encontrar em algum momento
Um refúgio, um lugar, uma saída para todo esse tormento.
Quem disse que seria fácil?
E quem disse que seria tão difícil?
Viver não é pra qualquer um.
Viver é coisa de maluco insistente.