As borboletas cinzas

A borboleta nasceu cinzenta:

Suas asas eram desbotadas,

Antenas aparadas,

Seu corpo aparente sem vida;

Completamente normal.

Não destoava,

Não desobedecia as regras:

Novas rotas de voo eram proibidas,

Voar em ziguezague gerava multa,

Rodopiar era imoral,

Cantar era anormal,

Dançar era suicídio,

Colorir-se era pena de morte.

Pensava nas limitações,

Mas não havia tempo,

Precisava despertar cedo para chegar em hora

De recolher seu rótulo

- que lhe garantia direitos sobre o oxigênio.

Era um bom rótulo, nele havia escrito:

"Civilizada, medíocre, fácil manuseio."

Sabia o que era civilizada, aprendera na escola,

Disseram-lhe que significava "bom".

O resto não sabia, mas nem deveria.

A atmosfera era serena,

Não havia alternância climática

E era normal;

Todas as borboletas estavam acostumadas

E também gostavam - era seguro.

A borboleta havia pegado seu rótulo,

Agora podia respirar,

Então parou para escutar:

A população estava assustada,

Ouvia-se gritos,

Em timbre regular,

Sobre algo inusitado

Que lhes invadia a carne

E cortava-lhes a espinha.

A atmosfera trapaceou,

Estava a ventar.

De relance ela observou

Uma folha seca vinha a seu alcance,

E ao vir rodopiava,

E assim, ultrajava.

Sem notar

Deixou-se levar,

Junto com a folha seca

Estava a flutuar

E girar,

E rodopiar,

E dançar.

Acompanhando as peripécias do vento.

A trapaça findou,

O vento parou,

De repente, pousou.

Quando os olhos retornou

Todos estavam a lhe observar

Ágeis, famintos, mas com pesar.

A borboleta também observou,

Mas pela primeira vez reparou:

O povo não tinha face.

Eram automáticos:

Voavam e murmuravam,

Sem bater as asas e abrir a boca.

De súbito notou:

Seu rótulo havia sumido.

Todos os rótulos haviam sumido.

Junto com eles,

As outras borboletas sumiram,

Mas não pararam de respirar.

Sumiram porque sumiram os projetores.

Eram projeções de si mesmas,

Seus rótulos eram fontes de energia,

Sem eles não podiam o projetor alimentar.

A borboleta tudo isso viu,

E então sentiu:

Estava sozinha,

Sempre esteve.

E então pensou,

Finalmente em algo pensou:

Suas asas eram tingidas,

Uma infinidade de cores de arco-íris.

Logo, certeza tinha:

Daquele mundo não pertencia.

Sua mente explodiu,

Sua alma eclodiu,

Tamanha era sua vontade

De encontrar um lugar a que condizia.

Logo as asas impulsionou,

No céu viu-se girando.

Mas algo em seu peito sentiu rasgando,

O coração apertando:

Sentiu que era a felicidade emanando.

Seu cérebro em demagogias.

Mal sabia ela

Que borboletas só vivem trinta dias.

Clóris
Enviado por Clóris em 06/11/2014
Reeditado em 15/07/2015
Código do texto: T5025035
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