Tempo...

... guardei em tempo um tempo que coube num envelope.

lacrei com lacre dourado, coloquei-o naquele baú de ossos,

fósseis adulterados pela catástrofe daquele tempo.

... vez ou outra, abria o baú, retirava de lá o envelope

que envelopei um tanto a galope. Havia cheiros, havia sabores,

havia o pó das lembranças doces e alguma lágrima derramada.

... terrivelmente decidida e incerta, fiz uma fogueira de papeis,

pétalas e absinto, acendi um fósforo e joguei no tempo, naquele tempo.

... entre as chamas e fumaça, ouvia recordações e sentia na pele o

levantar dos pelos, o puir dos prédios, o nutrir a cada passo anoréxico,

por cima de um dia cinza, por baixo chuva caia.

... incompreensível aos sentidos, aquele tempo que lacrei, não queimou,

não passou, não deixou, coexiste desde sempre...

“Nunca acreditei que o tempo cura tudo”