Vida Alienada

Entregou tanto de si aos outros

Que, num momento de solidão,

Percebeu que nada havia restado para si.

Pensar nisso doía.

Procurou pessoas e substâncias para anestesiar

Mas nunca era suficiente

A dor sempre o derrotava.

O sentido de tudo se escondia

Diante de uma bússola que girava intermitentemente

E acelerava a cada segundo.

Esquecera onde havia guardado seus antigos sonhos

Talvez já tivessem sido jogados no lixo há vários anos.

Passou a vida desgastando sua saúde e sua mente

Em troca de pedaços de papel coloridos e sujos

Em troca de pedaços de felicidade que cabiam no bolso

Em nome de pessoas abstratas que pareciam incomodamente educadas e zelosas

E que sorriam enquanto afiavam a lâmina da guilhotina.

Refém de escolhas impostas

Contas, taxas e impostos

Correu desenfreadamente por uma vida parcelada com juros altíssimos.

E, quando a dívida parecia estar perto de terminar,

Após quase quarenta curtos anos

Seu coração cansado não mais suportou

Cedeu ao desencanto

Caiu lentamente, dando um último longo suspiro.

Viu árvores encobrindo o céu

Sentiu a grama absorvendo o impacto de seu corpo ao chão

Ouviu o som da água correndo bem próxima

E um último fio de lágrima teceu-se sob seu olho.

Percebeu, no último instante,

O véu com que encobrira a realidade.

Enquanto seu olhar empalidecia,

Desejou ter percebido tudo aquilo décadas atrás.

Mas o tempo não espera.