Frio

Segurando a bola de metal fria que reflete a distorcida imagem de mim mesmo. A sala na qual me encontro é aconchegante. Como os leitos macios da morte. Sento em uma poltrona. Na sala há uma estante de livros empoeirados. Olhá-los me traz uma vaga lembrança de mim mesmo. Velho, cansado, empoeirado pelo peso da vida. As cadeiras e pequenas mesas em mogno já perdem o verniz, revelando seus interiores não tão belos, apenas a visceral realidade. A janela, por onde entra uma pequena luz, o antigo lustre, os quadros espalhados pelas paredes escuras, a lareira, o abajur. O carpete do chão. Tudo parece refletir meu próprio ser, apenas em outros materiais. Como a bola de metal.

Sinto-me louco. A imagem distorcida reflete a insanidade desesperadora, o vazio da vida, o frio da alma. A luz do mundo real não me alcança, sinto as sombras espalhadas pelo meu corpo, pela minha existência.

Sinto-me confortável. Monótono. Preso na zona de conforto aconchegante que me isola do mundo e suas más intenções. Incapaz de me levantar e enfrentar a realidade. A saudosa vitalidade não é mais encontrada no meu interior. A luz me irrita. A luz de Deus se dispersou nos domínios escuros da minha mente. Estou sozinho. Quero escuridão. Quero sombras.

O frio que a bola de metal emana penetra nos meus dedos, sobe pelo meu braço, deixa uma dormência se apoderar do meu corpo. Lentamente consome meu espírito. Estou desvanecendo. Estou me fundindo com o ambiente, me perdendo. Nada mais faz sentido.

Estou tremendo. Estou com medo. O frio já me consumiu por completo. O reflexo me aprisionou. Deixou-me em estado de transe. Não consigo me libertar. Não quero me libertar. A ardência não mais me afeta, mas faz parte do meu próprio ser. Sinto-me sonolento. Não quero acordar. Cansei.