Coração

Tô fazendo faxina no meu coração, desabrigando o amor febril que ainda pulsa sob as entranhas cancerígenas dos meus vasos sanguíneos. Equipando-o com novos batimentos recarregáveis e feitos com certo esmero por aquele homem que, esqueço-me sempre de pronunciar. O roxo ainda é a cor favorita. Lágrimas de felicidade, eficientemente, vão sendo transportadas aos ventrículos e átrios de um poeta homossexual e com tendências suicidas. A descendência nórdica me obriga a selvageria, os bichos que habitam meu peito são clandestinos, dão frio na barriga, levantam minha moral e meu pênis.

Procuro por algumas partes, presas na terceira ilusão que tive, ainda pequenino, com as pernas tortas e passos largos, correndo, desesperado, caindo, levantando, louco, atrás da lua prometida, a esperança infantil, em busca de algo que me fizesse durar pra sempre. Mais que fazer-me durar para todo o sempre, o que eu queria era que minha família durasse pra sempre. Pedia a aquele Deus que ainda acreditava, suplicava vida eterna. A morte não tinha presença até dezembro de 2010. A partir daí, meus amores foram desmoronando-se, minhas bases sólidas foram se desfazendo devido à lixiviação do meu órgão, já sobrecarregado de imoralidades sociais. Comecei, então; a cultivar a morte. Inclusive, a tirá-la nas cartas de tarô.

O coração, parado na esquina, estacionado em almofadas. Sobrevivendo de sufoco e arritmias. Sendo ancião, convidativo, recepcionando pré-amores e os mandando pra bem longe. Talvez, pra Terra do Nunca. Onde os meninos nunca crescem, têm sempre o argumento baseado na inocência. –Inocência que tenho facilidade para perdoar.

Depois de varrer o ultimo cômodo do meu peito, tranco-o com chave profunda e a engulo, engolindo também o coração da chave, como um espelho dentro do outro. Que serão quebrados após minha morte, aqui e em Neverland. Então, todos os mundos se juntarão e ao mesmo tempo deixarão de existir junto comigo.

Lucas Guilherme Pintto
Enviado por Lucas Guilherme Pintto em 27/01/2015
Código do texto: T5115614
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