A ÉTICA NUMA GOTA
A chuva chega,
Achegam-se as primeiras gotas
Em solo quente e árido.
Umidade ausente, há muitos...
As primeiras gotas sublimam-se,
Em exercício martirizado de amor à causa:
Permitir que sobrevivam outras que lhes sucedam,
Tornando possível suas partículas patinarem sobre
O dorso de uma terra antes tórrida.
Tudo tem seu preço e seu tempo.
Nada é superior ou inferior.
O primeiro, o segundo o terceiro...
Os que sucedem e os que antecedem
- Todos cumprem um script -
Sem lástima, rancor ou dor.
Atuam. E isso basta!
Assim sempre foi.
Assim para sempre será,
Talvez de um modo diferente.
Algum dia...
Quando o que é hoje não mais o será.
E o que virá, em nada surpreenderá,
Porque a criação se renova,
Sem consagrar atores ou destronar
Vilões.
Aliás, não há vilões nem mocinhos...
Apenas há...
E a magnitude do espetáculo está em apenas ser-se.
Minha homenagem vai para a primeira gota de chuva que beijou
O solo quente e inóspito da tarde de hoje. Uma tarde especialmente quente de uma terra causticante, encontrada no gráfico cósmico, numa intercessão de uma ordenada com uma abscissa, a quem
um dia alguém teve a ideia de sugerir como nome de batismo: Colatina. O que fora prontamente aceito.
Saúdo e homenageio aquela gotinha de chuva. A primeira que entregou-se ao propósito de servir, sem nada esperar em troca – muito menos reconhecimento.
Quero reverenciá-la com um olhar imerso na gratidão pelo seu exemplo.
Hoje, não há nada nem ninguém que mereça mais meu destaque.
O frescor da tarde que ultima a chuva tem o dever de voltar-se em oração à primeira gota que rompeu os céus, forjada nos porões de um milagre químico, que veio mansa, embora resoluta. Vida breve, porém plena e digna.
Minha oração, hoje, volta-se em agradecimento pela sabedoria destilada num exercício aparentemente mórbido a olhos destreinados e desatentos, mas absolutamente cristalino e puro, revelado em irretorquível estado de arte. Mas uma arte não utópica ou distante de uma internalização prática de sua essência nas veias do comportamento humano.
Temos muito a aprender com a simplicidade das coisas que nos circundam.