Irene
IRENE
Lá na chácara do Seu Zeca
Há uma vaca bem preta,
Que separada das amigas,
Muge sem parar...
Parece dizer ao mundo:
“Sozinha não quero ficar!”
Na beira da cerca
Mirei os olhos dela.
Apesar da cara feia,
Percebi que era boa.
Tinha um chifre quebrado,
E o outro, também não vi.
Está esquálida, a pobre vaca.
Compadre Zeca dela quer cuidar,
Quer de todo jeito
Fazê-la engordar,
Mas a vaca inconformada,
Muge, muge, sem cessar.
Chego a ouvir o que ela diz:
“Não quero ficar sozinha,
Neste pasto não há com quem conversar”.
Chorou até cansar,
Sentou-se debaixo da árvore.
Lá pude, baixinho, dizer-lhe
Que a partir daquele dia,
dar-lhe-ia um nome: IRENE.
Irene preta, Irene boa...
Mas não era de bom humor,
Como a de Manuel Bandeira.
Depois que passei por lá,
Quer segredos me contar,
Basta eu surgir na janela,
Que vem logo reclamar.
Faz um MUUUUUUU tão alto,
Que custei a acostumar.
Irene está velha,
Cansada de seu ventre doar.
Passa bom tempo na encolha,
Para a vida despistar.
Nem do pasto ela quer mais
Seu sustento retirar.
Às vezes,
seu olhar corre a pradaria,
Dá -lhe vontade de correr, correr
Sem saber o que encontrar.
Porém, as pernas cansadas esperam pelo pronto,
fazem, com a espera, a ansiedade aumentar.
Sentou-se a pobre Irene,
Sempre o cocho a mirar.
Veio então um pensamento:
Será que o boi ou a vaca
Para dormir precisa deitar?
E agora? eu fiquei
a ruminar...
Provavelmente,
Irene desejou muito aquele espaço,
E hoje que o tinha,
Sem ninguém para compartilhá-lo,
Esnobava a imensa relva,
Queria desistir de tudo,
E ao lado de sua gente, caminhar,
Pois estava sozinha, sem ninguém para conversar.
Êta, ser humano, quero dizer bovino,
Inconformado.
Se chove quer o sol, se sol quer chuva...
E assim caminha o gado,
Horas sem chão, horas com fartura,
Sempre a reclamar.
Sem posicionamentos tomar,
Para sua sina mudar.
2/3/2015