Eu no Mundo

Entre arbustos de uma floresta perdida

Seca, amarga e inquieta

Eu me procuro entre galhos secos

Descrentes e tristes

Que me espetam sem parar

Me cortam a esperança

Já incerta.

Entre raízes que me prendem as pernas

Eu tento não cair no reflexo sujo

Que reluz na superfície da lama

A imagem que eu vejo através da penumbra.

Eu tento não ficar preso ao que vejo

Ao que sinto e percebo

Eu sou o que realmente penso?

Ou a ilusão vaga de um desejo cego?

Viver é fugir de si próprio

Ou continuar a enfrentar os próprios medos?

É se ver apodrecido entre os mortos

Ou suportar calado todos estes inúteis pesos?

Um ego decomposto pela consciência

Que dói cada vez mais com o passar do tempo

Mas que insiste em sonhar

Mesmo que na sombra deste eterno sonho de sonhar.

Habitando a escuridão sem cessar

Caminhamos em busca da luz

De algum lugar.

E quando a tempestade chegar

Teremos força para tudo suportar?

O vento da morte sempre assopra

Assombra os meus intensos delírios

São outros eu's perturbados pelo passado

São consciências mortas fazendo da realidade

Um infinito pesadelo.

Dessas górgonas brotam vozes

De fantasmas que sopram pensamentos

Que me levam ao desespero

Ao desejo de me suicidar.

Diante de tantos fracassos,

Devemos suportar ou nos entregar?

As cinzas que eu toquei ao caírem do céu

Me disseram que tudo é assim

Um paradoxo infernal

Um eterna frustração sem fim.

Será a morte que me move

E que me faz existir?

Coexistindo com a minha angústia

Me faz lutar e persistir?

Enfrentar e resistir?

Quem sabe a arte é a cura

Da dor capaz de criar vida

Através das marteladas de pregos nas feridas?

Quem dirá que o artista não é um suicida

Que sobrevive de si mesmo

Sem chance de uma saída?

À plantar em solo e lama infértil

Sonhos e fantasias num cotidiano

Frio como um inverno eternamente a reinar?

O cansaço me consome

E nos deixa insones

Mas o amor aquece e fortalece

O coração já obscurecido

Tantas vezes castigado e entorpecido

De luz pavorosa e celeste.

Quem sobrevive aos perigos iminentes

Diz de sua loucura experiente

Que a insanidade nos mantém acesos

E a esperança muitas vezes

Enfraquece quando vemos anjos caídos

E prostrados diante da dor paralisante

Num chão congelante.

Animais odiosos e desiguais por natureza

Somos levados desde o começo

A desprezar e negar a beleza

De sermos todos loucos

Num céu onde o deus Dionísio

Aprova todo tipo de amor

Com prazer e sem temor.

E derrotados num paraíso perdido

Queimado pelas mãos de um ser divino

Vamos nos devorando por ódio

Culpa e ressentimento

Por negarmos os desejos que nos dá vida

E clareia os nossos escuros caminhos.

Primatas fingindo civilização

Praticando todo tipo de crime

Mas buscando a divina salvação.

Os que são sãos

Tentam encontrar o equilíbrio

Entre a barbárie e a prisão

De estar participando de um circo de dor

E demasiadas cenas de horror.

Para sobreviver é necessário se reinventar

E colher cada sopro de vida

Que se aflorar em nossos olhos

Se ainda pudermos ver.

A justiça é a sede de vingança

Uma razão para os românticos

Insistir nesta razão

De manter-se vivos

E alimentar o vício de seu idealismo

Sua eterna e dolorosa ilusão.

Para sobreviver é necessário algum sentido?

A vida é o meio para alcançarmos alguma resposta

Alguma porta aberta ao acaso dos abandonados

Mesmo correndo todos os perigos.

A vida é tudo menos justa

Já disse certa vez um grande amigo

Mas viver para mudar alguma coisa

Ainda é preciso.

Sofrer é pagar a conta destes desejos

A angústia incurável é o castigo.

Viver pode ser alienador

Cansativo e destrutivo

Mas podemos plantar árvores em vez de muros

Regar flores escondidas em dias de melancolia

Ou na escuridão diária

Pintar sorrisos e alegria.

Saber perder é preciso

Enfrentar-se diante do espelho

E enfrentar uma dor por vez

Pode ser um bom começo.

A dosagem certa de verdade e de dor

Com uma pitada de açúcar e poesia

É imprescindível para suportar

Um mundo frio

E sem cor.

Mas por vezes eu me pego

Pensando e mergulhado em tudo

E me pergunto:

De que importa tudo isso?