Devaneio calado

Olhava para a lua e nada via. Não via o céu, não sentia a imensidão tampouco questão fazia. Fumava meu cigarro como quem assina o próprio nome: sem pensar, sem sentir. Apenas... apenas chegar em casa. Só queria chegar em casa e trancar todas as portas e janelas e emergir na teatral figura do meu ser: escuro por dentro, portanto que seja escuridão à vista. Livrar-me de todo fingimento exterior, despir-me da falsa importância – outrora verdadeira, agora cansada –, despir-me da opressão do meu próprio silêncio; aqui calo, calo inteiramente e sem dor. Lá calo – calo com a lástima da submissão de quem é extraviado e cala para não chocar ou abalar outrem. A empatia ainda é presente. Despi-me a mim, a ti, e a mais ninguém faz-se isso necessário. O refúgio do meu quarto é o suprassumo do prazer dos meus dias. Eu. Indiferente se há o encontro a si mesmo, o Eu é mais confortável e até regozijante quando comparado ao convívio com quem considera exacerbada uma sensibilidade poética. Que seja, oras. Eu fujo da rejeição, aceito, quieta, o que (ainda) preciso aceitar.

Mas as portas estão fechadas, as janelas também. É escuro aqui e não há quem faça o mal de querer me calar. Calo a mim para ter paz – mas que é a paz senão a ausência do caos: o motor de todos os atos?