Hologramas nocivos

Nos tornamos feitores de nossos desenganos quando aceitamos enganos eventuais como consortes da realidade.

Ela costuma aparecer sozinha em nosso campo visual; os devaneios que acalentamos frustram, não por sua irrealidade, uma vez que sempre foram assim, mas por que o tempo que aprazamos para que acontecessem passou e nada.

Aquilatamos desenganos, desilusões, como sendo coisas más; entretanto, o engano, a ilusão que lhes deram azo é que são febre; eles são a cura.

Acontece que sempre alimentamos ilusões assessoradas pelo anelo de coisas boas; a realidade que não tem nada com isso vem nua, crua, e a achamos má, por negar-nos o bem que, insanos, fantasiamos.

Seria mais prudente esperarmos menos, dando à vida a chance de nos surpreender; contudo, acossados por nossas carências ou, sei lá que droga mais, tendemos a preencher lacunas reais com “substâncias” fantasiosas.

Quando a matemática dos fatos se organiza e revela nosso “conjunto vazio” são desligados os “hologramas” que forjamos em nosso próprio prejuízo.

Não raro, nosso sentir deriva de parâmetros que, ou criamos fantasiosamente, ou a própria vida ocasiona. Alguém saudável num ambiente de poucos acontecimentos pode ignorar isso e se inquietar, reclamar da vida, acusando-a de tediosa; outrem privado de saúde, tudo daria para estar na mesma sorte do “entediado” aquele.

Assim, muitas das nossas dores são frutos de nossa burrice emocional, de nossa percepção equivocada da realidade, quando não, de uma fuga diante dela.

Gosto da frase: “Rico não é quem possui mais; antes, quem necessita menos para viver.” De igual modo, acho que, feliz não é quem sofre menos frustrações, antes, quem menos oferece assento aos devaneios, pois, se uma postura grave, sóbria, padece a falta do “conforto” da ilusão, também arma menos laços contra a própria saúde psíquica e dá ocasião à vida para o surpreender, invés de nos decepcionar.

Não que eu deplore sonhos, esperança; os acalento também. Apenas considero erros quando nossos sonhos são demasiado utópicos; ou, esperanças infundadas, fora da casinha.

Nossa fome emotiva às vezes nos incita a esperarmos venturas de onde elas não vêm.

Claro que necessitamos sentimentos bons, emoções agradáveis, sob pena de naufragarmos nas poluídas águas da depressão. Contudo, mesmo uma realidade dura há de ter seu prós, seus pontos favoráveis cuja consideração seja salutar sem deixar de ser veraz.

É fácil “filosofar” que das pedras que nos jogaram construímos escadas; entretanto, ver utilidade da pedra no momento da pedrada é graça para poucos.

Em tempos de imediato acesso a tudo, da “filosofia” Control c control v, somos todos sábios, todos filósofos. E esse desfile de “Sophia” para o qual rufamos nossos tambores também costuma derivar dessa ilusão doentia de que, se dissermos coisas bonitas, parecerá alhures, que nosso modo de viver é belo, sábio.

Pensando bem, um vero sábio não se exibe, se cuida. Recorro de novo à frase do Talmude: “A grandeza foge de quem a persegue, e persegue a quem foge dela.”

Acho que a Sabedoria é uma grandeza ímpar, que, se um dia a alcançarmos, há de brilhar apesar de nós, malgrado, eventual vontade de anonimato.

Enquanto precisamos falar dela, como faço, é porque ainda a não possuímos deveras.

Mas, o mero saber isso é já um assento vazio onde, quem sabe, um dia ela decidirá repousar...