Sobre seu nome, ontem e hoje

(29-08-2015)

Eu comecei a noite pensando nas coisas impossíveis que poderiam acontecer se eu tivesse dado um pequeno passo para o lado ou tropeçado sobre seus joelhos naquela noite. Se eu tivesse escutado essa música mais cedo. Mas você me ignorou, já faz algumas semanas. Tudo bem, de certa forma foi um alívio, alguma coisa que eu poderia pensar como talvez o destino, um fado, algo assim. Eu pensei que era possível agora e ainda bem que eu pudesse olhar nos teus olhos. Depois eu fui para a rua e dancei até a meia noite, como uma Cinderela, tive que correr até a parada de ônibus mais próxima e torcer que meu ônibus passasse, pensando no fundo o que aconteceria se eu tivesse que me transformar em abóbora no meio da rua, na frente daquele menino que estava sorrindo pra mim.

E, ao mesmo tempo, eu não me arrependia de ter ido embora mais tarde ontem, como se eu não tivesse apenas fingido que estava lendo aquele pedaço de papel com um monte de baboseira filosófica que não importava, mas eu fingia me importar. Engraçado que, na minha cabeça, isso não era joguinhos, eu sempre disse que odiava joguinhos. Pois é, até parece. Você apareceu com uma cara de cansado e surpreso, mas não quis dar meia volta, eu fingi que não te notava, enquanto você sentava no computador e meu coração batia forte. E mesmo assim, hoje, eu resolvi cruzar o parque e o colégio militar pra entrar na casa que eu ainda não conhecia do meu amigo e não pensar, não pensar em absolutamente nada. Só talvez em como eu iria passar por cima das minhas vontades, de novo. Eu caminhei até a esquina e gastei o resto do meu salário na última cachaça do supermercado, realmente, de ouro, mas eu sabia que me arrependeria assim que amanhecesse. Ainda não amanheceu, você apareceu na minha mente quando nós voltamos para o parque, era quase meia noite, diziam para Cinderela, corre, mas tente viver aqui um pouco. Eu arrumei o chapéu do príncipe e ele fingiu que isso bastava, eu sabia que se desse um passo para o lado eu cairia na lama, mas eu não pensei naquelas cervejas que estavam dentro do refrigerador, num cadeado que não tranca nada, enquanto eu estava deitado naquele sofá. Eu não pensei naquela música que tinha um baixo que tocava no ritmo do meu coração. Eu só pensei é lua cheia. E era lua cheia, ele me perguntou se eu estava com fome e eu respondi não sei. Eu realmente não sabia. Eu não sentia frio, mas meu nariz estava entupido. Eu queria ter pensado naquela hora e dito, não, chega, vamos olhar pelo lado positivista das ações e cortar o mal pela raiz, não há nada que possa ser feito. Mas ele se inclinou e tocou nos meus cabelos. Enquanto eu corria em direção à porta da minha casa, eu pensei que você bagunçava seus cabelos e quando eu te olhei, você olhou meus olhos num flagrante, como se fosse pego de surpresa numa ação inconveniente, e ficou um pouco constrangido. Mas eu te sorri, ela dançou como uma baiana no meio da sala, seus cabelos eram como o fogo e eu cheguei a pensar que ali realmente era minha casa, de alguma forma mágica. A música continuava. E, aqui, tocava essa hippongagem que eu engoli pra estar com meus amigos, a noite estava úmida, mas eu sabia por isso levei uma canga e resolvi recitar os hinos de Olinda pra me distrair das dores do meu coração que no momento eu não sentia, mas sabia que iam voltar. Ela foi transar e pegou o primeiro taxi. Eu queria ter abraçado ele muito mais forte e chorado no seu ombro e tirado uma selfie, mas tudo que eu fiz foi dizer que era quase meia noite, e partir numa ladeira de terra que não acabava mais, eu e o príncipe, em direção não ao castelo, mas às aboboras. De tarde eu tinha visto um filme de um homem que recebia a correspondência às quatro da manhã, mas não era um sonho, era a realidade surrealista e nisso eu não pude ignorar que eu senti muito. Por toda a correspondência que eu não te enviei, mas não se preocupe, estão guardadas no fundo da minha gaveta. Eu entendi que nada era possível de ser entendido pelas maneiras mais simples e rápidas, mas você me lembra meu irmão de alma, e isso eu não posso ignorar, porque o perdi na ultima guerra, ele não quis ceder e foi morto em combate. Mas eu te desejo profundamente. O príncipe então fingiu que perdia a hora, e de fato perdeu, ele quis me explicar alguma coisa, mas eu não parava de falar. Contei inclusive historias que eu jamais teria contado se não faltassem alguns minutos. Você se interpolou na minha memoria, e eu fechei os olhos e não senti nada. Pela primeira vez, eu não senti nada. Cai na lama, de cara na lama, e tudo bem. Ela não pôde me dar carona, mas eu entendo. Eu queria poder ter ido de trem, como nas décadas passadas. Mas eu só pensava na próxima estação, no verão, e quando tudo isso acabar. Na verdade eu pensei nisso até agora. O semestre vai acabar e talvez você não saiba que eu vou até os desertos por ti. Eu entendo de castelos, e eu não posso engolir que a vida na corte poderia ser algo que eu desejei. Mas eu me iludo, eu me engano, eu me auto saboto. Eu engulo todos os planos que os outros têm pra mim. Mas eu te amo, com todos teus buracos-negros. Eu preciso desconstruir o medo.

Subi no ônibus e meus olhos mudaram, eu entendi todos os vazios e toda minha alma foi jogada, impressa e distribuída nas academias. Agora preciso beber, pra suportar as coisas que descobri. Queria poder mudar, espero que você sente do meu lado de novo. Se não, saiba que eu te amei. É tipo em azul é a cor mais quente, eu me senti como a protagonista. Tudo bem.

Mas eu só fui lá pra te ver, e eu sei que talvez eu nunca mais te veria. Você não estava lá, ou esteve enquanto eu não estava, agora já era muito tarde e tinha muita gente, eu sei que isso não parece com algo que faça você se divertir. Mas eu quis fingir que eu saberia que você estava lá, mesmo sabendo que você não estaria, enchi meus bolsos com pedras e entrei no rio. Eu contei para ele sobre minha mãe, e me senti culpado depois. Senti que algo havia se quebrado, como em um espelho, era uma raridade falsa. Eu me arrastei sobre o chão, e deixei meu chapéu em sua cabeça, como se dissesse, não, eu não quero a coroa, prefiro limpar as masmorras da madrasta. Era, enfim algo que eu estava consciente, sentindo no fundo de mim, uma emoção legitima que meu racional esmagava e distorcia, como a imprensa, e fingia que era duvida, era algo que eu não podia ter tanta certeza. Eu preciso confiar mais na minha intuição, e nos caminhos da minha mente que não são lógicos. Enfim.

David Ceccon
Enviado por David Ceccon em 31/08/2015
Reeditado em 31/08/2015
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