A Mulher Que Desistia

Quando cheguei no Amazonas no início de 1989, fui trabalhar na Unidade Mista de Barreirinha, a cidade conhecida como a Princesinha do Ramos, banhada em sua frente pelo rio Paraná dos Ramos. Havia um porto, belíssimo, na época cheio de rampas que se loco completavam. E que com as enchentes dava para os barcos motores atracarem em varias posições. As rampas eram cobertas por água do rio com a enchente e também havia corrimões de ferro pitados de cores diversas em toda a rua, orla, que dava para o cais. Era muito simpático. Não havia grandes supermercados, havia mercadinhos, era mais fácil se encontrar produtos enlatados estrangeiros do que brasileiros. E vale salientar que não era fronteira, estava mais para o lado do Pará. Frutas e verduras era uma escasseis e uma fortuna, quando esporadicamente se encontrava. O que se achava nos mercadinhos e que chamavam de cheiro verde, que era dois talos de coentro e uns seis talos de cebolinho sem o bulbo, cebola, tomate e batata inglesa, todos sempre muito muchos e feios. Era um terror fazer comida e querer se alimentar de forma mais saudável. O alimentos sem as verduras perdiam muito sua qualidade.

A cidade na época das enchentes alagava e passávamos a ser uma ilha coberta de água. As crianças pescavam na porta de suas casas e era construídas ruas por cima do asfalto alagado com passarelas de madeira que levavam a população ao hospital, escolas, mercados, igrejas. A vegetação era bonita e exuberante. As frutas locais como pupunha, piquia, tucumã em seu tempo apareciam. A carne era peixe, todos os dias havia peixe. A carne de frango nos supermercados as vezes faltava, a carne bovina aparecia uma a duas vezes por semana mais logo acabava.

O povo fala que lá os mortos morriam afogados varias vezes, pois o cemitério virava um enorme rio com algumas lápides aparecendo, ou diziam que era melhor esperar para morrer após a enchente. Porque senão não teria onde enterrar. E quando acontecia óbitos, eram levados de barco para outros munícipios.

Havia a igreja católica, uma enorme catedral, bonita e poética, com áreas ao redor e um coreto, ao lado a casa dos padres todos em sua maioria italianos, boas pessoas amigas.

O hospital ficava na parte de trás da cidade com 18 leitos, sem médico, com um enfermeiro, um bioquímico e técnicos de enfermagem, pessoas muito envolvidas e batalhadoras e preocupadas com a saúde. Chegavam muitas pessoas do interior e da área indígena para atendimento.

Teve um dia que atendi uma mulher, que na sua história clínica repetia que passou a noite inteira desistindo, e eu tentei saber de que ela desistia. Mas ela não dizia, só afirmava que desistia muito, que vinha e ia para a rede e voltava e desistia. Tentei de todas as maneiras saber o que ela estava sentindo, mas não consegui. Pedi para ela esperar um pouco, sai da sala e contei ao primeiro funcionário que encontrei. E então ela me disse: desistir é cagar, provocar é vomitar e jitinho é o menor de todos. Voltei e atendi a mulher.

Teresa Cristina Monteiro
Enviado por Teresa Cristina Monteiro em 02/11/2015
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