Âmbar

Os olhos âmbar do meu gato vermelho cadenciam o jazz que percorre as paredes do quarto mal iluminado. Evidenciam-se montes de folhas sobre a cama, as caixas de som e a escrivaninha: tudo papelada inútil e padronizada, a falha tentativa de didatismo. Não sinto nada além da gravidade das cordas secas e das unhas afiadas que fazem um carinho desconfortável em minhas pernas. Bem desejaria olhos âmbar e unhas em meu corpo num contexto idealizado - e, em tal caso, evitar devaneios românticos é a melhor opção para controlar desejos irrealizáveis. Arranha-me as mãos, agora. Mastiga timidamente alguns fios enquanto fita as loucas órbitas em mim. Quem dera fosse... não. Não deveria misturar literatura e desejos. Minha vontade âmbar invade aos poucos o meu espaço sagrado e controlado, afeta minha libido e torna o quarto uma mistura de arrepios e confusões. Eu o quero. E não o quero. Quero-o nessa frase, nessa linha, mas na entrelinha quero tão somente a solidão e os pelos do meu gato entupindo meu nariz. Quero os olhos âmbar em cada camada do meu corpo, quero as unhas em cada suspirar desarmônico. Não quero suas vísceras, nem seu coração. Quero adentrar suas entranhas e ficar ali por uns dois minutos, sair, encarar o âmbar. O mutualismo das respirações nos pescoços, o sentir mudo. Não o terei agora, e provavelmente amanhã tampouco. Forço-me a me contentar às unhas do meu gato arranhando, doentias, meu pé direito. E tento evitar os devaneios românticos. Desconcertantemente sem sucesso.