O Caramanchão.

Uma senhora já bem velhinha pôs a sua modesta casa á venda. E numa tarde, quando sentada na varanda sorria docemente para o seu imenso caramanchão , surgiu como por encanto, um jovem interessado.
- Bom dia,Senhora!
- Bom dia meu rapaz!
- Está vendendo a casa?
- Sim. Está interessado em comprá-la?
- Talvez... Podemos conversar?
- Sim, bom moço entre sente-se ao meu lado e conversemos sem pressa.
O rapaz sentou-se, logo perguntando:
- A Senhora Mora sozinha?
- Moro sozinha. Meus filhos, marido, netos, bisnetos também já foram. Fiquei só.
- O rapaz sentiu um leve aperto no coração, tristeza que logo passou quando percebeu nos olhos da velha senhora, uma paz contagiante.
- Perdoe a curiosidade: a senhora não sente solidão neste lugar tão isolado? A cidade mais próxima fica há quilômetros daqui.
- A velhinha olhou-o por um longo tempo, em silêncio. Levou quase uma eternidade para dizer com simplicidade:
- Não estou sozinha!
- Desculpe, mas não vejo ninguém por perto.
- Ela sorriu de novo – Engano seu. Todos que amo estão bem á minha frente. Vejo-os todos os dias!
- Perdão Senhora. Preciso ir, Pensando bem esta casa não é o que procuro.
A velha Senhora olhou- no fundo dos olhos sorrindo docemente, mas havia tanta magia naquele olhar que o rapaz, sentou-se imediatamente.
- Perdoe. É que não vejo ninguém aqui além de nós dois
- Preste atenção no Caramanchão!
O rapaz deu de ombros brincando – É apenas um varal de flores, nada mais!
- A velhinha sorriu gostoso:
- Ah! Jovens! Nunca enxergam nada!
- Perdoe, eu deveria enxergar o que?
- Todos aqueles rostos que não tiram os olhos de você!
- Rostos?São sós flores!
(lá ia ele levantar-se de novo, porem nocauteado pelo mistério, sentou-se).
- Afinal, quem é a Senhora?
- Hortência, meu nome é Hortência.
- S e me permite uma observação: A senhora tem vivido muito só Dona Hortência e Com todo o respeito, pode estar imaginando coisas! ESTAMOS APENAS DIANTE DE UM MAGNÍFICO CARAMANCHÃO!
- Moço, se me permite uma observação de alguém que aprendeu a enxergar as coisas com os olhos da alma: você sim! Não está como diria minha mãe, conseguindo enxergar um palmo adiante do nariz!
- A Senhora está brincando comigo? (Dona Hortência puxou a cadeira para bem perto do rapaz e apontou para uma dália branca que de tão linda e viçosa, parecia sorrir).
- Está vendo? Aquela é a minha mãe!
- A sua mãe? (o rapaz riu debochando, a velhinha insistiu gravemente)
- Olhe bem, procure ver através das aparências – esqueça a flor que seus olhos conhecem desde que você nasceu – esqueça as pétalas da flor, olhe bem! Procura enxergar a essência das coisas, moço... A alma da flor... Vamos... Aprofunda o seu olhar, – OLHE!
O rapaz até que se esforçou, mas seu esforço foi inútil:- Desculpe senhora, por mais que me esforce estou vendo apenas uma dália grande, bem maior que as outras flores, e branca, muito branca! Branca!
- Tolo!Esqueça os olhos físicos – procure enxergar com a sua alma!
- Um silêncio profundo caiu sobre os dois naquela varanda florida. Após o que o rapaz levantou-se da cadeira onde estava... Aproximou-se mais da flor e olhando maravilhado para a doce velhinha,exclamou,mal acreditando nos próprios olhos.
- Eu não acredito, mas esta flor está sorrindo para mim!
- É minha mãe sempre foi risonha!
(O rapaz olha perplexo para a velhinha) – Inacreditáveis os poderes da nossa imaginação!
- Vem aqui bebê, sente-se ao meu lado. Vou apresentá-lo a outra pessoa. Uma pessoa tímida que não quer ser vista assim de perto.
- Aquele Cravo Lilás lá bem na ponta do caramanchão, está vendo?
- Espere!Estou procurando. Ah. Sim!Um cravo pequeno.
- Sim, pequeno e se você olhar bem verá que está meio virado para baixo.
-Vai-me dizer que conhece ele também?
A velhinha suspirou – È o meu Pai! Que saudades!
E aquela doce velhinha incrível, sobrenatural fez desfilar diante do olhar perplexo do rapaz toda a sua família, noras, genros, netos, bisnetos... Todos sorrindo, diga-se de passagem: ETERNAMENTE FELIZES!
Ao final, o rapaz quedou silencioso. Muito emocionado, falou baixinho, murmurando de si para consigo:- Não consigo entender, qualquer pessoa que conseguisse este milagre, de conviver, olhar todos os dias para os semblantes dos entes queridos que partissem... Digo qualquer pessoa... Ainda mais a senhora que não tem mais ninguém... Diga-me, por favor, porque deseja vender a casa?
A velhinha levantou-se vagarosamente e andando pelo caramanchão, com os olhos cheios de lágrimas respondeu:
-É verdade. Não quero ficar aqui assim, só olhando todos os dias e chorando todas as noites. Quero ir para junto deles porque estou morrendo de solidão. Venderei a casa. Depois,olhando fixamente no fundo dos olhos incrédulos do rapaz,sussurrou:
- Quero virar flor!