sobre aquela calçada
Não é mais sobre o cantar dos pássaros enquanto nos despedimos. Não é sobre o poema mais bonito do Drummond, nem sobre recitar Estrela da Manhã com o coração transbordante há 1.180 dias atrás. Não é sobre as milhões de referências cotidianas e todas as minúcias que estamos cansados de remoer. Nem sobre os 21 dias escritos num papel florido que achei num container de lixo e te presenteei. Não é sobre o vidro do carro molhado de chuva e meu rosto molhado de lágrimas naquela rua de sempre. Nem sobre aquele galho que sempre batia no para-brisa quando você despretenciosamente passava na minha rua. Não é sobre os lacinhos que eu fiz pra enfeitar teu felino, nem sobre aquele vinho chileno horrível que você bebia na taça enquanto eu só queria tomar direto na garrafa. Não é sobre a discrepância, nem sobre o silêncio, nem sobre as mil tentativas falhas de dar adeus.
Dessa vez, é só sobre aquela calçada.
Que toda vez que passo, você volta a cair.
Com todo seu peso, em cima de mim.
E eu continuo sorrindo, por ter amortecido sua queda.
Levanto, te amparo nos ombros, continuamos seguindo.
Mas nunca deixa de doer.