BRECHA

Hoje acordei diferente, quase contente (algumas vezes). Fui vagando pela rotina pensando que estava só quando notei que em um canto, pouco iluminado do peito, ela dormia serenamente: a Tristeza. Então eu fiz pouco barulho e me forcei a imobilidade, como uma anônima companhia. Tive o cuidado para não despertá-la, pois estava ignorante de qual ímpeto ela traria após ser acordada.

Apesar de sustentar a atitude congelada e me silenciar, não fiz o suficiente, pois ela que jazia um sono calmo, tranquilo, foi acordando bem devagar e antes das pálpebras abrirem curvou o corpo, meio erguido. Ainda sonolenta, em torpor, ela murmurou pragas sobre o frio, o leito duro no qual deitou, sobre a falta de amor que tirou o calor daquele canto sombrio. Percebi que as suas lamentações não teriam fim e decidi recolhê-la nas minhas palmas, aqueci a Tristeza fora do coração. Ela estava novamente dormente, oscilando em sono e eu me entretive com a lerdeza daquele adormecer até ela ficar quieta, com o respirar lento. No fim, ela adormeceu tristemente no silêncio.