Entre livros e estantes 
(Claude Bloc) 

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Arrumei displicentemente os livros e os papéis na estante, juntei algumas roupas na mala e abri a janela pro sol entrar. Por mais que faltassem coisas pra serem feitas, por mais que faltassem livros a serem lidos e afazeres a serem cumpridos, por alguns instantes, senti uma grande paz interior. Nem sei bem por que me senti assim. Talvez porque aos poucos as coisas estavam entrando nos eixos e, com isso, a poeira só tenderia a se assentar.
 
O tempo estava quente, era final de ano. A cidade estava sem graça e o desânimo era percebido no semblante das pessoas. Nem parecia que em breve seria o Natal. Enfim, apesar disso, depois do trabalho feito, parei para ver que nada era tão ruim assim. Apesar de estar bem claro na minha mente que a falta dos meus pais nunca seria suprida, que nesta época lembrança dos sorrisos deles sempre me seguia... essa era a minha vida, da forma que a escrevi, essa era minha história... Por mais que também sentisse saudade, por mais que eu sentisse falta daqueles dias tão animados, por mais que quisesse voltar atrás... não poderia, nunca.

Pra despistar os pensamentos, recontei os livros da estante e folheei alguns deles sentindo-lhes o cheiro... Quem os haveria tocado? Quem haveria deixado neles suas marcas? Olhei em volta a bagunça que ainda existia, mas me acalmei. Não havia pressa. Antes teria que estabelecer também meu tempo e minhas ideias... Aos poucos, convenci-me de que essas passagens da vida deveriam ser aproveitadas devagar, deveriam ser degustadas, experimentadas, sentidas. E que cada segundo deveria ficar realmente marcado como um ponto de referência. Cada vírgula, cada ponto, cada gesto.

De repente, olhei para o relógio na parede. Lembrei-me da minha consulta. Mais uma vez atrasada! E mais uma vez tinha que sair quase correndo... Quase. Meu tornozelo me avisou que eu ainda não podia fazer excessos. Calma! Saí mesmo bem devagarzinho, mas não sem antes parar feito criança e sorrir para a estante. Bagunça? Quem se importa?

No caminho, passei pelas várias praças, pelas ruas do Crato e sabia que me faltaria o ar em alguns momentos, por causa da força das lembranças. Nessa hora, respirei fundo... Fingi que dormia pra que tudo virasse sonho. E só então entendi que tudo estava bem.