GÊNESE
(Claude Bloc)
 
A janela da minha casa é, para mim, o portal do meu universo particular... É por onde vejo o mundo se movimentando, passando pela minha rua, explodindo em sentimentos, prosódia, sorrisos, gritos e todos os sinais vitais de minha cidade. A Pracinha do Jambo, calada e sonolenta parece entorpecer o som da rua e inunda meu espaço com a luz de mais um dia e com a tranquilidade de uma tarde de verão. A Praça, a rua, o movimento tudo se torna parte de um complexo disparate. Uma ponte, um hiato entre todos esses meus sonhos cristalinos e a minha realidade — como se minha orbe se dividisse entre minha intimidade e o constante estouro desses ruídos que se espalham pelo vazio das ruas nesse espaço público.
 
E penso infinitamente. E abraço o espaço. E até invento e imagino que entre a casa e minha rua existem insondáveis enigmas que só eu posso desvendar. Gosto muito de ficar assim despojada de qualquer embaraço nesse cantinho só meu; aqui onde me amparo das mais diferentes reflexões. Então eu me sento, suspendo os pés e os suspiros me tangem do meu quarto quase obscuro para esse recanto onde leio e releio meus livros numa confortável cadeira de balanço. Aqui refaço meus planos de vida e de tudo que diz respeito a minha pessoalidade.
 
Nessas horas me sinto um ser pulsante e inquieto, cheio de emoções. Talvez porque nunca escondi de mim essas lágrimas que descem pelo meu rosto vez por outra, quando frustrada ou infeliz ... Sei muito bem que esse estado da alma apenas denuncia meu temperamento introspectivo, minha timidez latente, minha incapacidade de fazer valer sentimentos que se escondem nas conchas de minhas mãos. Depois escorrem. Depois transbordam. Mas só eu os entendo.
 
Volto a olhar pela janela. A rua, então, é um outro cenário, cheio de vida, cheio de atores que vivem seus dramas de amor. Nesse palco as cortinas estão sempre abertas para uma plateia atônita, mas indiferente.  Quem está lá na janela não existe... Ninguém vê.

           Sinto-me, então, eremita. Sinto que sei pouco e sou pouco e garanto que isso me basta nesse momento. Mas não me deixo fragmentar. Sigo metafórica. E considero que não há nada melhor que a metáfora para exprimir o que sinto sem fazer alarde. A verdade são retalhos de uma história que prossegue buscando caminhos, sentindo a vida na sua (in)finitude.
 
           Pela janela, olhando a rua nascem meus poemas. E a poesia não cala suas alegorias mais fortes.  Ela transcende os sentimentos, a saudade, as lembranças para alçar a eternidade das palavras e tão somente das palavras. Tudo mais é passageiro, como essa poesia que se instala   Tudo mais é passageiro e pequeno. E percebo que neste momento existe em mim, apenas, mas tão intensamente, a poesia e o poder que ela tem de se cravar na alma de quem a lê.
 
E da minha janela o mundo da poesia nasce onde surge a gênese desse universo sensorial. Não importa onde a poesia se esconda. As lembranças lhe servirão de calço. Aqui onde se revelam as manifestações interiores de minh’alma, onde desfilam as palavras com a firmeza das cores que lhes dou.