Curta metragem.

Dois ônibus faziam seus itinerários e se encontraram em direções opostas. Como havia pontos de parada dos dois lados da rua, eles pararam, fazendo com que os olhares de um passageiro no ônibus 1 e o de uma passageira no ônibus 2 se cruzassem. Ela abaixou o olhar, tímida, e fingiu que lia um livro. Olhou de volta e lá estava o passageiro olhando para ela. Só que dessa vez foi ele quem ficou sem jeito e disfarçou, mas logo voltou a olhar para ela, temendo que ela interpretasse como desinteresse.

Como havia passageiros desembarcando de ambos os ônibus, estes acabavam passando pela frente deles, atrapalhando aquela hipnose. E os dois, sem perceber, moviam as cabeças de um lado para outro para não interromper a interação entre seus olhos que os ligavam à distância, só separados por duas paredes.

Ele olhou para a porta sem mover a cabeça e pensou em descer naquele ponto, na esperança de que ela fizesse o mesmo, dando uma chance ao destino. Ela pensou em fazer a mesma coisa e chegou igualmente a olhar para a porta do ônibus em que estava, mas não desceu. E nem ele. Ficaram ali a se olhar enquanto os ônibus iam dando a partida em direções contrárias. Eles viraram as cabeças em câmera lenta para se olharem ainda mais uma vez enquanto seus olhos se desgrudavam à distância.

Pensaram em se levantar e fazer um sinal para descer no próximo ponto e caminharem um de encontro ao outro, como naqueles filmes em que o casal protagonista comete loucuras em nome do amor, e correm para se abraçar, mesmo que não corressem, não precisava tanto. Bastaria que se levantassem e fizessem um sinal. Os dois entenderiam, pois estavam tão sintonizados que nem parecia que era a primeira vez que se viam. Se assim o fizessem, assunto não faltariam, duas pessoas que nunca se viram antes se encontraram em ônibus que se cruzaram e decidiram, os dois, cada um em particular, descer para se conhecer melhor. Mas pensaram que poderiam parecer ridículos, e não fizeram nada do que planejavam em segredo, simultaneamente. Se endireitaram em suas poltronas com o olhar para a frente, mirando o nada, ainda sem entender o que fora aquilo, e como puderam se deixar escapar.

Cada um seguiu seu destino e nunca mais foram agraciados pela feliz coincidência de se encontrarem novamente. Mas os dois têm vivos na memória aqueles instantes que duraram uma eternidade. Uma verdadeira cena de cinema, mais autêntica que qualquer produção cinematográfica, e no entanto, um momento que ficou somente entre os dois, os únicos personagens e espectadores daquela curta metragem.

Joalice Dias Amorim (Jô)
Enviado por Joalice Dias Amorim (Jô) em 23/06/2016
Reeditado em 02/08/2016
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