Fé
Um dia uma voz veio-me com uma inquietação. Dizia corroer-se em curiosidade:
- Criança, como vê a divindade?
Achei curioso:
- Por que a pergunta?
- Você não se firma no chão, parece um louco em constante abstração.
Ri de seu comentário e ele pareceu ofender-se. Ia se retirando quando parei-o:
- Desculpe-me. Apenas achei diferente. Ninguém nunca havia-me feito brotar tal semente.
- Então responda-me, ora!
- Amigo, minha fé é singular e desordeira, creio em várias faces, várias formas, à minha maneira.
À mim a divindade, ao londo do caminho não é mais exata, é longinquamente mais abstrata.
Não posso, nem quero senti-la de uma única maneira.
Veja bem.
Em Buda é interna.
Em Cristo onipresente e santamente adorada.
No axé à natureza integrada.
No islã severamente moldada.
Em Zeus é humana.
Em Odim valentia amordaçada.
Ela é amplamente interpretada, sentida, louvada.
Quero senti-la nos tambores e na gira do Orixá.
No divino espírito santo a descer em calor no corpo.
Em reverências, ajoelhado, à Alá.
O Nirvana alcançar em um sopro.
Quero senti-lo como homem.
Senti-la como mulher.
Sentir em todos âmbitos.
Amada como, não poderíeis, até.
Quero me sentir pulsante em seu interior.
Vendo-a ser Gaia a proteger seu valor.
De todas as formas que existem e até as inventadas. Sem preceitos, preconceitos e amarras.
A ser ciência, história e religião.
Senti-la dentro e fora.
Fazendo-me transcender de mim meu coração.
Ao terminar fiquei com olhos marejados e o espírito extasiado.
E meu ouvinte foi, novamente, se retirando, debochando e rindo:
-Perdeu a sanidade pobrezinho. Sonha acordado mais que dormindo