Gotas molhadas

Eu cresci.

Ficaram para trás as flores, as ruas e as portas.

Há um pôr do sol diferente no horizonte.

É um céu de novas cores.

E entre a gente, novas gentes.

São novas pessoas, novos olhares, outros sorrisos.

Um êxtase de responsabilidades.

Agora, minha euforia é o destino.

Bem melhor que aceitar que a culpa é minha.

É como descobrir coisas novas, e ainda assim, não saber coisa alguma.

Agora, prevalece uma incerteza.

São muitas as dúvidas e não resta nenhuma resposta.

Agora, tudo é relativo.

Tudo é justificável...

Tudo é compreensível!

Nada, absolutamente nada é perdoado.

A responsabilidade nos rouba dos lábios a alegria.

Como um soco seco, que arranca os dentes.

E o que resta?

Um sorriso amarelo e um punhado de saudade.

Se bem que nem sei que saudade é essa?

Porque a infância não era boa, mas eu sabia o que era ser criança.

Vivi a infância com a força de quem se vive.

E agora? O que me resta?

Não sou mais criança, tampouco aprendi o que é ser um adulto.

E na agonia de não sei quem sou, vou tentando, vou errando, vou pecado.

E já não há perdão suficiente para meus erros.

Então invento deus.

O grande e bondoso, compreensivo e amoroso.

Acho que se deus não se cansa, é porquê lá no fundo eu não posso desistir.

Então insisto e vou tentando.

Será isso esperança?

Abro os olhos e não ouço nada.

Respiro fundo.

Mais uma vez, não tem ninguém por perto.

Aí eu canso de tentar ser eu.

Abraço a solidão, conforto ela em meus ombros.

Um afago...

Depois vem a chuva e me acabo em água.

Porque água é vida e chorar me lava a alma.

No penúltimo respingo, envolto em gargalhadas de soluço e agonia, me canso de tentar ser alguém.

Passo a viver uma sombra, um rascunho daquilo que eu podia ser.

Persevero, atendendo às expectativas do mundo.

É que não sou capaz de atender minhas próprias expectativas.

Aí, quando deixei de ser criança, deixei de ser alguém.

Deixei de acreditar.

De esperar.

De saber.

De amar.

De doer.

Agora, sigo como uma bolha anestésica: frágil e inerte.

Pulando obstáculos, desvencilhando da vida, sem tocar os pés no chão.

É que eu tenho medos.

Vivo uma vida de "quases".

De partes.

De vontades.

Meias frases e palavras repetidas.

E se a bolha frágil que eu sou, ao menor contato com a realidade, se esvair?

É isso o que as bolhas fazem, quando se cansam, elas se desfazem.

E se eu perceber quão efêmero sou?

E se eu não resistir?

Foi por medo de ser eu mesmo, que me esqueci, por um instante, de existir.