O descanso do mestre

Quanta fadiga!

É noite e dói a alma inteira.

Quanto desprezo!

E a voz rouca se cala.

O corpo rígido repousa no ínterim do ofício malgrado.

Reconhecido pelas faltas, o mestre desaparece.

Quanto cansaço!

É dia e o desperdício de labor se assoma na rotina.

Reverbera nos cantos ocos da sala o conhecimento mediato, desvanecido nas frestas minúsculas.

Perdura a vagueza semântica aos ouvidos da juventude frívola.

Na tortura de semear a dignidade, o mestre rasteja no piso implorando a atenção.

Mas ignorado, escuta mudo os risos distantes de uma geração sem destino.

Desiludido, se aconchega na mesa e observa a cena a se repetir.

O tempo se esgota juntamente com a ânsia inicial de querer ensinar as formas de vida mais vívidas e relevantes ao mundo mecânico.

Dias e meses se passam na involução, enquanto que a decadência do futuro se estampa nos rostos pueris.

Prevalece o depauperamento, a apatia, o desinteresse, a falta de sentido em qualquer perspectiva.

Caminhos se curvam; horizontes se extinguem.

O último aviso fora dado como um agouro prolongado que ecoou por vastas horas.

Ninguém quis ouvir aquela sonoridade cortante e aterradora sobre a facticidade do vir a ser.

E o som deliberadamente parou de propagar-se na consciência coletiva.

Resistindo por mais algumas eras, finalmente o deleite que ostentavam findou.

Os dedos cansados e os olhos ardendo não conseguem mover mais nada; estagnados no desvelamento da realidade, perderam a habilidade de projetar algo concreto.

Virtualmente desesperados no abismo que se mostra, choram por novos passatempos capazes de tirar-lhes o fardo de uma vida sem planos.

Indiferente e impassível perante a sina infrutífera concretizada, o mestre descansa!

03/06/2014

Marcell Diniz
Enviado por Marcell Diniz em 02/12/2016
Reeditado em 07/03/2017
Código do texto: T5841134
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