[Conversa com Pássaros]

Estaciono o carro, fico em silêncio — o lugar está ermo. Nos prédios à minha frente, todos estão metidos em suas atividades importantes, mas que ninguém lhes solicitou fossem feitas: "vícios privados" travestidos de bens públicos... por que ser mais claro que isto?!

Nos entorno do lugar, algumas manchas de uma capoeira ressequida que as construções ainda não invadiram. Minhas vistas estão muito embaçadas, angustio-me; decido que, neste instante, nem preciso dos olhos, fecho-os, a imaginação voa. Sei que há vida resistindo na capoeira: cascavéis e outras cobras, gaviões, corujas buraqueiras, quero-queros, joões-de-barro, pássaros vários - até siriemas aparecem por aqui! Mas nesta hora da manhã, a capoeira está silenciosa!

Pela janela do carro, entra uma suave brisa, uma carícia na minha face, a primeira que sinto neste agosto que mal principia. Pesa-me o absurdo plexo de escolhas que trouxeram até aqui, nesta manhã fria de agosto. Soluço, choro por dentro até doer o peito, mas é um chôro seco; dificilmente alguém o perceberia.

Neste instante, um pássaro sobrevoa-me; pia estranho, esganiçado, curto, não consigo identificá-lo, e fico ansioso, como se fosse importante que eu soubesse de que pássaro se trata! E como eu não converso na língua dos pássaros, atribuo tristeza, a minha tristeza, ao canto curto deste pássaro; talvez ele se risse de mim, se pudesse saber minha interpretação do seu canto! Mas, que sei eu do comércio entre a minha voz surda e as vozes dos pássaros?

Agora, outro pássaro pia ao longe, nos baixos da capoeira. Este sim, canto inconfundível — é um anu, nem careço de abrir os olhos para confirmar, tantas vezes ouvi este piado nas tardes calorentas das invernadas da fazenda em que me criei. Piado de mau agouro, engendrando funduras de tristezas enquanto me leva o passo ritmado e lento do meu cavalo... O canto do anu é roxo e tem cheiro de morte em tarde de crisântemos e de alecrim — tomara o anu nem desconfie deste meu juízo bobo!

De mais longe ainda, dos limites capoeira onde passa uma estrada, vem o canto de uma fogo-apagou — ah, alegria das minhas tardes de criança; a soltura da caminhada, camisa aberta, peito ao vento do Planalto Central, indo para o meu sítio, em busca das jabuticabas. Ah, esse canto que me traz uma tristeza boa de sentir, de acalentar... suave tristeza ensolarada, canteiros de margaridas ao sol, rosas brancas junto ao muro de taipa do chalé amarelo! As pegadas da fogo-apagou na poeira fina dos compridos trieiros dos campos cobertos de palha de arroz ainda não incendiada — a visão do caminho à frente, vaticínios venturosos para quando eu crescer, promessas de ser alguém... Ah, a fogo-apagou me diria, se pudesse: "ara, deixa de inventar moda, menino, o meu canto não é nada dessas coisas!"

Permaneço ainda no carro, estático, de olhos fechados. Mas a capoeira voltou a ficar silente. Ao longe, só o rugido dos veículos na rodovia. Tempo de abrir os olhos: à minha volta, vejo os escombros de minhas lutas — de que me valeram? Doença, morte em vida, prisão. É tempo de eu riscar no meu guatambu, mais um dia, aqui, preso... Eu sei, eu sei: essa minha conversa com pássaros não tem cabimento, e Minas não há mais, nunca mais!

[Ara, eu nem disse nada não...]

[Penas do Desterro, 01 de agosto de 2007]