faróis no trânsito
Fortaleza se ergue em milhares de janelas acesas durante
a noite febril como olhos caídos
no meio da noite,
onde os desejos infames se unem
às intermináveis taças embebidas
de uísques caros e o sexo a vapor
ardendo pela madrugada
com a sujeira dos esgotos que
marcam suas bolas de futebol
em meio às favelas que crescem desordenadas
empilhando-se em linhas tortas
que afundam seu reflexo na margem do rio negro,
as ruas escuras e mal-iluminadas discorrendo
o medo como células embriagadas de heroína
correndo pelas veias em telas de filmes pornô na madrugada
ácida onde moram os corrompidos
e os desajustados,
a vista do horizonte se perde no deserto de prédios comerciais
de pessoas nervosas em ternos quentes
e óculos escuros, que trocam suas almas por gravatas,
suas cabeças girando como ponteiros
loucos e mecanizados giram em um relógio
em andares apressados, sem ver o mundo acabar
ao seu lado, sem ver as mãos de suas
crianças que circulam
de ônibus em ônibus em busca de qualquer
coisa que mate sua fome
de viver, sua tragédia, seus olhares cansados
e doentes e dentes rotos
e o sabor infame da Virgem Morte em seus lábios
que perambulam como almas perdidas com seus batons
borrados na Beira-Mar,
correndo como lobos em avenidas e becos estreitos onde não moram
a Dona Clemência nem a Santa Dignidade
que vivem com medo escondidas sob os telhados
que chovem todos os dias
corpos desencarnados e almas desalmadas
desaparecendo como pó sob o nariz de um
garoto de 13 anos.