karamázov
meu pai tinha um andar pesado
como se uma nuvem
negra o acompanhasse em todo lugar
sua mera presença era como o prelúdio de uma
tempestade, e eu sempre
temia que ele explodisse e descontasse
tudo na minha irmã.
eu lembro de sua voz e da televisão
ligada a noite inteira, de sua rede
e sua barriga enorme
eu lembro de sua voz que despejava coisas
como
"indiferente. esquisito.
anormal. feio."
todo o seu peso começou a virar peso morto
para mim, nós passamos a ser dois
estranhos morando juntos no
mesmo
apartamento, dividindo apenas
manteiga, pão e café.
"você me mata de
vergonha."
eu lembro dos meus primos e como meu
pai os admirava, como ele adorava conversar com eles
de uma forma que eu nunca saberia
"fulano é mais novo que você e
já tem trabalho,
já sabe dirigir e comprou
um carro, tá por dentro de tudo que acontece no mundo
e você não sabe nem as siglas dos estados"
eu lembro de sua voz que gritava com a minha
irmã por quaisquer motivos,
eu lembro do choro dela e da minha mãe
que pedia para ele parar.
"doido tem que ser educado assim,
você só faz acobertar as doidices dela,
eu vou pegar um pedaço de pau
e quero ver se ela vai
continuar"
eu não acho que algum dia o tenha odiado de verdade.
eu só não queria ser
como ele, não acreditava que pudesse
existir alguém como ele. queria ficar
longe o bastante dele e de todo o discurso
de que eu era defeituoso e que
precisava ser consertado.
"parece uma mulher com esse cabelo."
a única coisa que eu odiei em toda a minha vida foi
o fato de nunca ter reagido
em nenhum momento, quando ele gritava
com minha irmã ou minha mãe.
meus dedos tremiam. minhas
pernas tremiam.
eu sabia que sua autoridade era forjada
forçada
falsa
eu sabia
que seu inferno queimava em
todas as suas ações,
tudo o que dizia para tentar esbanjar uma superioridade
que nunca existiu
a forma como fazia questão de diminuir
minha mãe como se a depressão dela
fosse uma frescura.
uma bobagem.
quando ele estava fora, o dia era lindo.