Dona Isabel

Estive com ela em um leito de hospital. Mãe de um senhor já idoso, irmão meu de fé e amigo. Ela chegou aos seus noventa anos. Fala pouco e do que fala pouco é compreendido. Uma simples queda a deixou sobre um leito de hospital por meses. Não come e nem toma banho sozinha. Depende de todos para tudo.

Na placa de identificação, lia sobre o seu quadro clínico até me deter, por vários segundos, na data de seu nascimento. A partir de então aconteceu algo estranho. Diante de mim desapareceu aquela senhora idosa de noventa anos. Comecei a pensar na sua infância, juventude, seu primeiro dia na escola, seu primeiro amor, o primeiro beijo, o tão almejado casamento, os filhos a amamentar em seu colo.

Imaginava sua vida e a vida dela passou a significar muito para mim. Então, com o meu olhar juvenil, comecei a me indagar se seria capaz de chegar aos noventa anos. Não se seria capaz de envelhecer porque isto é inevitável, a não ser por ocasiões do destino em que a morte encerra a vida antes do prazo. Mas, sim, se esta pessoa que sou hoje seria capaz de permanecer aqui dentro enquanto a aparência se desvanece com o tempo.

Passamos o dia juntas. Ajudei a alimentá-la. Às vezes sequer compreendia sua fala. Por poucas horas dormia e em outras, acordada e em silencio, me observava. Em um momento fiz uma brincadeira sobre o alimento e propus lhe oferecer um churrasco, ela entendeu e sorriu. Então comentei: “o que fazemos hoje por nossos pais idosos é muito pouco comparado a tudo que eles fizeram na juventude por nós. Principalmente ao se falar do amor de uma mãe e tudo que ela é capaz de fazer por um filho que amamentou em seu colo! Todo este cuidado já é um muito obrigado antecipado. Não é mesmo dona Isabel? ”. Ela ouvia em silencio e olhando profundamente nos meus olhos.

Para descontrair de novo fiz outro comentário engraçado. Ela sorriu. Então ela estendeu sua mão e segurou a minha, depois colocou minha mão em seu peito e chorou. Foi assim que ela respondeu minhas indagações da mente. Aquela jovem filha, mulher e mãe ainda estava ali bem diante de mim, com todos os seus sentimentos, pensamentos, medos e anseios. Ela conseguiu chegar aos noventa anos e foi um imenso prazer conhecê-la!

Jaildes Ferreira
Enviado por Jaildes Ferreira em 13/04/2017
Reeditado em 14/04/2017
Código do texto: T5969664
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