Cartas em segredo

Eu vinha das flores. Vestida de flor. Eu era a própria flor caminhando entre as flores. Sonhando com as flores. Respondendo ao segredo das flores. Acontecendo. Era rua. Passeio. Travessia. Chegada. Eu chegava para o trabalho. Eu em quem o sol vinha chegando desde a madrugada. Tudo amarelo. Tudo sol e flor. E Frida Kahlo me recebe na entrada. Uma exposição chegando em meus olhos. Eu que dormi pensando em não ver. Ali. Amores diversos. Os amores de Frida me calam. A carta a Alejandro Gomes, um amor-amizade mantido por uma vida inteira. "Primeira Premissa: Os grandes amigos devem amar muitíssimo uns aos outros. Segunda premissa: Alex e Friducha são grandes amigos. Conclusão: Logo, Alex e Friducha devem amar muitíssimo um ao outro. À meia noite, pensei em você, meu Alex; você pensou em mim? Acho que sim, porque meu ouvido esquerdo fez um barulhinho". Meu ouvido fez um barulhinho perto da meia noite. Eu sonhava. Estou sempre sonhando. Acordei às quatro da madrugada. "Estamos sempre construindo o outro" me acordou Derrida. Mais essa carta. De Frida a Josep Bartolí, seu amante. “Me lembrei de suas últimas palavras e comecei a pintar. Trabalhei a manhã toda e depois de comer até não haver mais luz. Mas logo me senti extenuada e tudo me doía (...) Por você voltei a pintar, a viver, a ser feliz. Você é minha árvore da esperança”. Acabo de chegar. Leciono. "Estamos sempre construindo o outro". Faço uma pausa. Escrevo. Tudo florido e amarelo. Minha árvore da esperança.