Poço de mim
E agora, que medo é esse?
Medo de me deixar gastar pelos intemperismos irrefreáveis desses tempos,
Medo de escorrer de mim e
ficar tão rasa até me confundir com ausência;
com matéria vaga, errante, tão indefinida;
vencida pelo mundo, entregue à cruz do "em volta".
Medo de, depois de ausência,
ser inexistência e só.
(e que patético não ser nem o que não é.)
E, logo agora,
vem de onde essa vontade de me caçar
como se caça borboletas?
(que bom seria me assistir com rede na mão e
pés no chão correndo pelo campo...)
Descortino a grande vida de minhas moléculas
e as agarro com obstinação para que não evaporem.
Que lástima ficar rasa logo agora!
Valha-me Deus
que essa intermitência apavora.
Que medo de ser fumaça que abandona o fogo. Tão
leviana e néscia!
Me deixei lixar por quem pediu,
achei que me livrar da aspereza fosse conforto.
Depois, ainda quiseram me polir
e eu sorri para aquele verniz artificial.
Por conseguinte, me lapidaram
e logo agora percebo que - lamento, lamento! -
percebo que tenho vergonha deste resultado
tão lapidado no anti-espelho.
E agora, Maria?
E agora, todos os Josés?
Respondam-me todos os meus ourives:
quem de vocês pode tornar bruta a pepita já derretida
escorrendo de si?
ó vento, chuva, sol, montanhas...
ó humanos, seus gastadores de retina e de almas,
Deixem-me!
Que eu quero é ser um poço de mim...