Pequenas dores

Não pude deixar de reparar no odor característico de uma tão esquecida lembrança passada. Lembrei, com uma dor aguda, de tantas outras dores confortáveis e simples de sentir que outrora consistiam no meu leito de flores e sofrimentos. Dói-me agora o não mais doer – era tudo tão dor, era-me tão doloroso viver daquela maneira, e forte, pulsante – arranhava-me e cortava em pedaços meu corpo repleto de sensações de necessidade, culpa, obsessão... E agora, viver num contraste, numa oposição do que vivi com um ardor tão penoso, imprime em mim estranheza tal que não consigo conceber maneira de viver sem sofrer... Por isso sofro o que vivi, relembro com tanta clareza os contornos de momentos dolorosos passados, e sofro como se revivesse em ato, na pele e nos ossos; choro uma dor já passada, tão distante cronologicamente, mas que perfura o âmago. Sofri tanto no carinho doloroso daquele que não mede toques diante da vida de outrem – recebi apunhaladas carinhosas, afetos dilacerantes. Lembrando disso agora, sinto como se pedaços de mim submergissem num oceano de memórias, e não mais sei nem sinto se algo sou de real, se algo sou de diferente do que fui naquela época em que a dor se fazia tão constante e amiga.

Amanda B
Enviado por Amanda B em 26/09/2017
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