Querido alguém,

eu sei que vais reclamar a ausência do teu nome, mas repare que alguém é exatamente esse tu que me acontece no preciso instante em que me lanço na embarcação das palavras. E não posso dizer que ao te escrever o que escrevo seja teu. Mas juro. Vou te escrever ao correr da mão, feito água viva, corrente. E se não declino teu nome ou teu sexo é porque antes de seres vestido homem – esse humano – ou batizado por teu nome, tu já existias para mim como o pólen que me alimenta. Eu sei que achas estranha minha mania de chegar, essa permanente travessia que me leva, porque chama, aos teus olhos. Sim, estou sempre buscando teus olhos. Eu sei, não deveria explicar, dever é uma palavra muito endividada e explicar é súplica ainda maior que a de pedir: permita-me? Eu sinto sempre mais do que sei, está muito cedo para pensar nas lembranças: o presente do futuro, esse lugar existe? E sinto – sentir é o mesmo que contorcer, feito árvore do sertão onde me sou – que a vida só me cobrará ter ido, ter seguido o vento, ter posto a canoa no rio e desligado os relógios pra saber do que vive apenas pelo eco dos pulmões. As palavras também têm pulmões. Eu sei que pode parecer estranho e que sou, neste caso (ou em todos?), a própria estranheza, a estrangeira, sem clã, sem lar e sem família. Oh, Homero! Por que ressuscitas, de tão longe? E por que será que ouço aqui o cântico dos cânticos perguntando por quem vai, caminhando como a aurora quando se levanta, formosa como a lua, escolhida como o sol, terrível como um exército bem ordenado? Sagrada escritura. Eu a remeto. Assim, me perdoe por chegar, ainda que eu nada espere. Esse nada é meu tudo. Perdoe-me por seres, amanhã, o encantado das minhas lembranças, a cor pintada na tela branca da memória que não se saberia, não fosse esse dom. Que coisa é o dom? Perdoe-me por amar as palavras e por, dirigindo-as a ti, amar-te com o meu melhor. Receba-me. E não me leia de tão perto. Sem mergulhar, tu nunca me saberás. Das minhas águas sempre abundantes, Tua