grades na janela
eu canto
a música dos portões do Anhembi
do caos da avenida que já mudou tanto de nome
que eu nem sei mais onde nasci
dos bares, das padarias, das biroscas falidas
e dos espetinhos do Simão
onde os bebuns cantam e fazem barulho até
dormir, do muro pichado por jovens
elétricos
que sempre inventam moda por aqui
a música dos que trabalham pela noite
e veem de tudo
dos que fazem festa em direção
ao Castelão em dias de clássico rei
dos que transam em carros funerários
dos porteiros e das marmitas frias
a música das guitarras que não sabiam cantar
mas que gritavam
e gritavam roucas
quando os amigos apareciam
dos abraços e do colo e do beijo quase roubado
dos cabelos negros e ondulados
e dos postes caídos na
imensidão do céu pintado de lilás
pela palmeira que me via
dia e noite e noite e dia
e se você quiser
eu viro o disco
e ponho o lado B
arranhando minha vitrola
a noite inteira
pra você.