As areias do poeta

Assim como foi falado por Heráclito de Eféso, nós, seres humanos, estamos em constante mudança. Uma mudança tão frequente, como as águas que correm por um simples rio. Mas e se nós fossemos apenas formas feitas de areia? E se essas mudanças fossem simbolizadas pelos grãos que a compõem?

É assim que vejo as mudanças pelas quais meu ser passa. A cada sopro do vento que desenha seus movimentos sobre nós, minha composição muda substancialmente. Muitos dos meus grãos, de diferentes materiais e composições, se desprendem de minha escultura e dão lugar a novos grãos. Fragmentos de sal que salpicam minha alma com melancolia e nostalgia; grãos de açúcar que inquietam meu espírito e me dão energia para desbravar as selvas noturnas; lascas de rubi, que injetam o elixir do amor e da empatia pelo meus ductos; resquícios de safira, que adocicam minha solidão e transformam o meu recanto mental na minha única companhia. Agulhas de carvão, que mergulham meu corpo em chamas e lavam meus olhos com a raiva. Pedras de gelo, capazes de me carregar para calmas calmarias e limpar todas as cortinas escurecidas sobre minha essência.

A cada segundo, começo a possuir sensações que nunca pensei que caminhariam sobre mim e começo a perder sensações que me acompanharam por várias brisas e tempestades. Algumas das quais me despeço partem após deixarem na minha boca um tornado de estranhezas e outras, em uma primeira visita, deitam-me em um divã forrado com tranquilidades aconchegantes.

Minhas palavras mudam. Meus delírios mudam. Meus pesadelos mudam. Meus desejos mudam. Minhas vontades mudam. Meus medos mudam.

Os sonhos permanecem intactos. Sem eles, minhas linhas estariam tão caóticas quanto um universo violável.

Um quebra - cabeça com peças mutáveis. Uma obra sempre incompleta. Uma aquarela dançante. Uma sinfonia em definição. Versos passíveis de correção. Uma sopa de imperfeições.

Esse sou eu. Um emaranhado de linhas sendo esticadas em linhas retas.