Superação

Na minha cidade, eu costumava andar por essas ruas escuras a fim de sentir — literariamente — o prazer obscuro do mistério e do escárnio. Muitas vezes eu acabava em um bar solitário e o sórdido da minha alma encontrava aí um lugar onde passar tranqüilamente. Costumava entrar ali no meu canto preferido, vez ou outra, um cão vira-lata, e antes de ser enxotado pelo dono do bar, um velho gordo que não sente sono, eu encontrava em sua expressão triste um motivo de compaixão que me fazia olhar para mim mesmo. Numa profunda reflexão embriagada, deparei-me pela primeira vez, então, com a terrível e exaltante verdade viva que está submersa nesse puro lodo da vida. Entretanto, porém, eu só podia enxergá-la parcialmente: não é dado a um homem ser tão perspicaz... E, enfim, com essa pequena consciência, decidi que deveria fazer algo, e não ser puramente levado pela decadência da alma já na juventude cansada. Isso foi há uns anos atrás, no fim de minha adolescência. Eu passei a ver a limpidez do céu distante, as pessoas, as palmeiras, os vagos nevoeiros imprimidos na janela de um ônibus e os arrebóis.

Hoje eu vejo com tanta nitidez no que me transformei, e esta lembrança melancólica cheia de fulgor bem poderia compor o início de um lindo romance de formação moderno... Oh, bravura! oh, força e ventura, e o símbolo ideal da virtude humana!

wsdafae
Enviado por wsdafae em 31/08/2007
Reeditado em 16/12/2007
Código do texto: T631651